sábado, 10 de fevereiro de 2018

CARNAVAL FOLGAZÃO 

           Escolhi a visão de três grandes autores nacionais sobre o Carnaval: Oswald de Andrade, Raimundo Correia e Machado de Assis. 

brasil
Oswald de Andrade (1890-1954)


O Zé Pereira chegou de caravela 
E perguntou pro guarani de mata virgem 
-Sois cristão? 
-Não, Sou bravo, sou forte sou filho da morte 
Tetetê tetê Quizá Quizá Quecê! 
Lá de longe a onça resmungava Uu! Ua! uu! 
O negro zonzo saído da fornalha 
Tomou a palavra e respondeu 
-Sim pela graça de Deus 
Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum! 
E fizeram o carnaval 

TRISTEZA DE MOMO
Raimundo Correia (1859-1911)

Pela primeira vez, ímpias risadas
Susta em pranto o deus da zombaria;
Chora, e vingam-se dele, nesse dia,
Os silvanos e as ninfas ultrajadas;

Trovejam bocas mil escancaradas,
Rindo; arrombam-se os diques da alegria;
E estoira descomposta vozeria
Por toda a selva, e apupos e pedradas...

Fauno, o indigita; a Náiade o caçoa;
Sátiros vis, da mais indigna laia,
Zombam. Não há quem dele se condoa!

E Eco propaga a formidável vaia,
Que além, por fundos boqueirões reboa
E, como um largo mar, rola e se espraia...
Bacchantes em festa, óleo sobre tela de Rodolfo Chamberlland (1879-1967).
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. 
AO  CARNAVAL DE 1860

 Machado de Assis(1839-1908)
Morreste, seriedade!
Momo, o deus das zombarias,
Usurpou-te, por três dias,
Teu esplêndido bastão!
De um exílio temporário
Toma a longa e nova rota;
Agora reina a chacota
E o carnaval folgazão!

Diante das aras da rubra folia,
Cabeça a mais séria não vale um real;
Doidice, festança e alegria,
Tudo isto é fortuna que traz — carnaval.

Homem sério e bem formado,
Neste dia é contrabando;
Respeitado e venerando
É coisa que não se diz;
A razão abrindo os lábios,
Onde tem berço o juízo,
Vestiu um chapéu de guizo,
E pôs um falso nariz!

Nem pai de família, nem velho empregado,
Doutor, diplomata, caixeiro ou patrão,
Ninguém, ó loucura, no dia aprazado,
Não pode negar-te seu grande quinhão.

Tudo a loucura nivela,
Nem há luta de inimigos:
Esqueçam-se ódios antigos
De algum ferrenho eleitor;
Há tréguas por três dias
No campo dos candidatos,
Que o feijão ferve nos pratos
E os guizos falem melhor.

Esqueça-se tudo, são todos convivas,
Os ódios se apaguem no abraço comum:
Que doce batalha! Que lutas festivas!
Daqui deste campo não foge nem um!

Todas as belas amáveis
Podem ter parte na festa:
Sacerdotisas e Vesta,
Acendei os corações!
Pra sustentar a empresa
Não tendes armas faceiras?
É não tirar as pulseiras
E conservar os balões.

Daí das janelas olhando curvadas.
Sem dar um só passo na luta venceis:
Ao fogo, que corre das vossas sacadas
Aquiles se curvam e algemam-se reis.

Os reis, conquanto pintados,
Sempre são reis por três dias;
E sabem as galhardias
Das vossas armas leais.
Nós somos a Roma Inerte
Com a invasão peregrina
Que os hunos de crinolina
São mais que os outros fatais. 

Nenhum comentário: