UM POETA ENLOUQUECIDO?
Há 109 anos o jornal francês LE FIGARO publicou o “Manifesto futurista”,
escrito pelo poeta italiano de
origem egípcia Felippo Marinetti (1876-1944),
que mais tarde seria um ardente defensor do fascismo, inclusive com carteirinha
do partido. O futurismo teve vida curta,embora tenha influenciado pintores que fundaram movimentos
modernistas pelo mundo afora.
Vale a pena dar uma lida, especialmente os itens 9 e 10. Enfim, dizer o quê?
1.Nós
queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e do destemor.
2.A
coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.3.A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.
4.Nós
afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a
beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos
grossos, semelhantes a serpentes de halito explosivo... um automóvel rugidor,
que correr sobre a metralha, é mais bonito que a vitória da Samotrácia.
5.Nós
queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa
a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.
6.É
preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificência, para aumentar
o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
7.Não
há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo
pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto
contra as forças desconhecidas para obrigá-las a prostrar-se diante do homem.
8.Nós
estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveríamos de olhar para
trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O tempo e o
Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a
eterna velocidade onipresente.
9.Nós
queremos glorificar a guerra –única higiene do mundo – militarismo, o
patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se
morre e o desprezo pela mulher.
10.Nós
queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda natureza, e
combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.
11.Nós
cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela
sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas
capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos
estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações esganadas,
devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios
contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que
cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos* aventurosos
que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os
trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos
aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como
uma multidão entusiasta.
É da Itália, que nós lançamos
pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e incendiária, com o
qual fundamos hoje o "futurismo", porque queremos libertar este país
de sua fétida gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de
antiquários. Já é tempo de a Itália deixar de ser um mercado de belchiores. Nós
queremos libertá-la dos inúmeros museus que a cobrem toda de inúmeros
cemitérios.”
Noturno em Preto e Dourado: A queda do Foguete, óleo sobre painel de James McNeill Whistler. Acervo Instituto de Arte de Detroit. (Impressionista) |
*piróscafo – barco a vapor.
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