O Estado de
São Paulo comemora hoje o Dia do Saci, assim como várias cidades brasileiras, mas
até hoje o projeto de lei para a criação do Dia Nacional do Saci não
foi aprovado pela Câmara Federal. Quem
é o Saci? Um brasileiro, acima de tudo. Ele
é um garoto negro com nome indígena e tem uma perna só, fuma cachimbo e usa uma
carapuça vermelha que lhe dá poderes mágicos, como o de aparecer e desaparecer
aonde quiser. Nem é preciso dizer que é travesso como toda criança. Adora
assobiar e pregar peças nas pessoas.
Saci no traço de Ziraldo.
A lenda, a assim como o nome, varia conforme
a região do Brasil: Saci-Cererê, Saci-Trique, Saçurá, Mati-taperê, Matiaperê,
Matim Pererê, Matintaperera, Capetinha da Mão Furada etc. Conta-se também que ele costuma se
transformar em passarinho como o Mati-taperê ou Sem-fim – conhecido no nordeste
como Peitica.
Nas palavras de Monteiro Lobato: “O saci é um diabinho de uma perna só que
anda solto pelo mundo, armando reinações de toda sorte e atropelando quanta
criatura existe. Traz sempre na boca um pitinho aceso, e na cabeça uma carapuça
vermelha. A força dele está na carapuça, como a força de Sansão estava nos
cabelos”. Ele conta que o
Saci faz tantas reinações quanto pode: “azeda o leite, quebra pontas das
agulhas, esconde as tesourinhas de unha, embaraça os novelos de linha, faz o
dedal das costureiras cair nos buracos, bota moscas na sopa, queima o feijão
que está no fogo, gora os ovos das ninhadas. Quando encontra um prego, vira ele
de ponta pra riba para que espete o pé do primeiro que passa. Tudo que numa
casa acontece de ruim é sempre arte do saci. Não contente com isso, também
atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os cavalos no pasto,
chupando o sangue deles. O saci não faz maldade grande, mas não há maldade
pequenina que não faça”.
O relato faz parte do livro “O Saci”,
em que o autor envolve Pedrinho, Narizinho e Emilia em aventuras com vários
personagens do folclore brasileiro, como a Cuca, o Boitatá e até a Iara. Não
acreditam em Saci? Está desatualizado,
pois existe até a Sociedade dos Observadores de Saci (SOSACI) de São Luis de
Paraitinga (SP), que vem conquistando um número crescente de fãs. E imagine que
a Associação Nacional dos Criadores de Saci – ANCS, com sede em Botucatu, há
mais de 20 anos, mantém uma fazenda de criação de Sacis, segundo o fundador,
José Oswaldo Guimarães. Há um Saci aqui em casa que esconde canetas, óculos, chaves e, como deve ser letrado, costuma sumir com meus livros.
Quando era criança, muitas
vezes encontrava sob a porta de casa envelopes apenas com endereço da casa e
sem remetente. Levava para minha avó, que tratava logo de jogar fora sem abrir.
Eu ficava intrigada. “Não vai ler, vovó?” Ela explicava que se tratava de
correntes e, como era supersticiosa, achava que se abrisse teria que cumprir o
castigo de encaminhar várias cópias para outras pessoas para não ser vítima das
ameaças que continha a tal carta.
Mais tarde, quando já
estava na escola, entendi muito bem o problema porque tive que fazer o castigo
algumas vezes, pois ela fora enganada por alguns remetentes espertos ou que
eram conhecidos ou tinham se dado ao trabalho de procurar a vítima na lista
telefônica. É, existiam listas telefônicas – uma de endereços e outra de
assinantes. Minha avó lia, mas era eu quem escrevia as cartas. Pior que castigo
de escola: escreviam-se dez, doze vezes a mesma coisa – uma história de milagre
obtido por uma oração que devia ser passada adiante para que o leitor não fosse
vítima de coisas terríveis. Nunca entendi. Gastava-se tempo (reproduzindo as
bobagens e indo ao correio) e dinheiro (o papel, envelope e selo) e eu ainda
perdia a paciência.
À
medida que o tempo passou não cuidei mais da correspondência de casa e esqueci
completamente das tais correntes de oração.
Entretanto,
para minha grande surpresa, não é que as correntes voltaram? Modernizadas! Via
Internet. Sem selo. Basta copiar e colar e encher a caixa postal dos
amigos das redes sociais. Assim que vejo que é para divulgar, não leio, mas
percebi que esses anexos variam entre mensagens religiosas e políticas. Há
algumas pedindo compartilhamento para ajudar uma pessoa doente. Como não leio,
ignoro se as religiosas vêm com algum tipo de ameaça. Bem, há sempre a ameaça
de conter algum vírus. Considero essas mensagens invasivas e inoportunas.
Simplesmente deleto ou denuncio como spam.
Faz
tempo que eu queria escrever sobre o fato que me aborrece e, exatamente no dia
que o faço, por coincidência, uma revista traz matéria sobre o tema, mas
erroneamente afirma que as correntes são uma novidade da Internet. Bem antes da
Internet havia a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. E as correntes. Para
a psicóloga entrevistada, o compartilhamento das mensagens de ‘boa-fé’ que
infestam as redes sociais faz parte da criação de uma identidade virtual”. Aviso
aos navegantes: há modos muito mais inteligentes de criar uma “identidade
virtual”.
A Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo foi fundada em 1934.
Nasceu com um corpo docente de primeiro mundo, mas sem teto. Assim, a missão
francesa formada pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss,o historiador Roger Bastide,
o cientista político Paul Arbousse, o filósofo Jean Mauqüé deram aulas nos
prédios da Faculdade de Medicina e da Escola Politécnica que, gentilmente,
abriram espaço para a nova Faculdade, a celula
mater da recém-criada Universidade de São Paulo.
Palacete Jorge Street.
Sem um local em que
pudesse reunir todos os departamentos, no segundo semestre de 1937, começaram
as mudanças de um prédio para outro até que, enfim, a Faculdade de Filosofia
conseguiu funcionar adequadamente com sua estrutura integral no histórico
edifício da Rua Maria Antônia, 258, Vila Buarque.
Um dos endereços famosos da
FFLCH foi o Palacete Jorge Street, na esquina da Alameda Glete com a Rua
Guianases, nos Campos
Elíseos. Ali foi instalada a seção de Historia Natural, que
incluía Biologia, Botânica, Mineralogia, Paleontologia e Zoologia.
Tudo isso para contar que o Palacete Jorge Street já foi derrubado
há muito tempo para dar espaço para mais um estacionamento e ninguém por ali se
lembra desses acontecimentos. Há, entretanto, uma testemunha muda: a frondosa
figueira que se debruça, preguiçosamente, para a calçada da Rua Guaianazes.
A figueira da Glete é a menina dos olhos da professora aposentada Dona
Neuza de Carvalho Guerreiro, que se formou em Biologia nos tempos em que o
departamento de Historia Natural da FFLCH ainda era no palacete. Preocupada com
o destino da árvore, vez por outra ela vai até lá ver como estão tratando
aquele gigante verde que se agita apenas quando os ventos sopram com mais força
e ouve-se, então, o murmúrio de suas folhas.
Uma placa identifica a árvore e informa o “Tombamento pelo Processo Administrativo nº 2004-0.059.033-2 de 26 de dezembro de 2007”. Todos
esperam que a figueira seja preservada e devidamente respeitada. Na última
visita, Dona Neusa de Carvalho Guerreiro ficou muito triste ao ver a figueira
transformada em depósito de lixo. Ontem, o lixo que havia estava junto ao muro e escondido pelos veículos.
A ideia de
fotografar os três principais rios de São Paulo acabou proporcionando um
passeio de descobertas dos meandros dessa cidade. O paulistano não se relaciona
com os seus cursos d’água. Descobri, por exemplo, que há quase trezentos rios,
riachos e córregos nesta megacidade, quase todos soterrados por urbanistas para
evitar enchentes que assolam a região muito antes de o português colocar os pés
por aqui. Essa luta contra a natureza parece que só funcionava nas pranchetas,
pois em pleno século XXI a população se preocupa quando chegam as chuvas de
verão. Na verdade, nem precisa ser verão para inundações acontecerem. Os três
grandes rios que sobraram (Pinheiros, Tamanduateí e Tietê) sofreram todo tipo
de intervenção e, descaracterizados, tiveram as águas límpidas de antigamente
transformadas em esgoto, perderam a vida.
Marginal Pinheiros, a ferrovia e ciclovia e o rio...
Ao contrário das grandes cidades da Europa, onde se pode caminhar às
margens dos rios como o Sena ou o Tejo, em São Paulo as vias marginais são dos
veículos. Esse distanciamento do morador com os rios é bem triste. A maioria
nem sabe identificá-los. Assim, quando perguntei por um caminho mais fácil para
chegar ao riacho do Ipiranga em frente ao monumento à Independência, me fizeram
dar uma volta enorme para chegar ao... rio Tamanduateí! O jeito foi caminhar
pela Rua dos Patriotas até o Parque.
Será que o passageiro da linha Esmeralda da CPTM observa o rio Pinheiros
do vagão de trem? Apesar de estar morto e desprender forte mau cheiro tem um
entorno surpreendentemente bonito.
Ah! O Tietê! Costumo vê-lo do Metrô quando vou à Zona Norte. Nas
imediações do Centro Esportivo Tietê (antigo Clube de Regatas Tietê), pergunto
a um senhor, que diz morar há trinta anos no bairro, qual o caminho para
fotografar o encontro do Tamanduateí com o Tietê. Sei que estou perto. O encontro
é bem em frente ao Estádio Municipal de Basebol Mie Nishi. Mas ele me garante que poderei ver da Ponte da Casa Verde.
Agradeço. Voltarei outro dia.
Observação: O título foi tirado da composição "Quem sabe", de Carlos Gomes (1836-1896).
Depois de passar meia hora sobre a Ponte Euzébio Matoso, fotografando o rio Pinheiros, nada como um ramalhete amarelo na calçada da Avenida Rebouças. A sibipiruna (Caesalpinia pluviosa) vista da primeira passarela sustentável de São Paulo. Terça-feira, antes da chuva amiga.
“O Tietê, o tradicional
Tietê, o rio todo paulista, havia de sofrer o pior dos vexames. De artéria
nutriz, a intestino grosso. De rio límpido, a lago fétido, imóvel. E se algum
movimento lhe fosse permitido, era para contrariar seus desígnios, num retorno
sem honra, arrastando o que mais degradante a cidade lhe dava: seu esgoto.”
João Carlos de Figueiredo Ferraz, em dezembro de 1973 (URBS NOSTRA,
Edusp/Pini.). Foto: Hilda P. Araújo. Ponte das Bandeiras.)
O rio dos
Pinheiros nasce no encontro dos Rios Guarapiranga e Grande. Os índios o
chamavam de Jurubatuba que significa “lugar de muitas palmeiras jerivás”. Os
jesuítas no século XVII passaram a denominá-lo Pinheiros. O rio percorre
25 km até desaguar no Tietê. Não encontrei ainda um poeta que lhe dedicasse uns
versos... Afinal, mais um curso d’água da pauliceia transformado em canal de
esgotos. Ainda bem que fotos não emanam odores. (Foto: HPA.)
O Pinheiros visto da Ponte Euzébio Matoso, 23/10/2018.
“A água do rio era limpinha, limpinha. A gente não nadava.
Passavam uns homens com toalha no pescoço. A minha mãe não deixava a gente ir
lá, porque eles nadavam sem roupa. A gente tinha medo, mas eu ia batizar as
bonecas no rio.”
Depoimento de Isaura Teixeira Perrotti. em “O Rio
Pinheiros”. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo/Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 2002.
Em um tempo remoto, quem sabe, a imagem poética de Alphonse de Lamartine (1790-1869) poderia se referir ao encontro dos rios Tamanduateí e Tietê. Hoje eles nem são rios e a vegetação foi substituída por concreto...
O rio Tamanduateí em frente ao Mercado da Cantareira, Zona Cerealista.
O rio visto da estação Armênia do Metrô.
A triste imagem: Rua dos Patriotas com Avenida do Estado.
Tamanduateí em Tupi significa rio dos tamanduás-bandeira. Tem 35 km de extensão: nasce em Mauá, tem como
afluentes os rios Anhangabaú e Ipiranga. Deságua no rio Tietê no bairro do Bom
Retiro.
*Alphonse de Lamartine. Poeta francês: "O Vale", extraído de Meditações Poéticas, VI. Sem crédito do tradutor. Fonte: As Origens do Saber, Melhoramentos.
“Ouviram do Ipiranga as margens
plácidas
De um povo heroico o brado retumbante,
E o sol da Liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da Pátria nesse instante.”
Compositores: Francisco Manuel
da Silva (1795-1865) e Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927).
onde as tuas águas, onde as mágoas
dos teus sapos?
“Meu pai foi rei!
— Foi. — Não foi. — Foi. — Não
foi."
Onde as tuas bananeiras?
Onde o teu rio frio encanecido
pelos nevoeiros,
contando histórias aos sacis?...”
“Pauliceia Desvairada”, de Mário de Andrade
(1843-1945).
No princípio, o Anhangabaú era um rio, afluente do
Tamanduateí; mas a cidade queria crescer e tomou o espaço do rio. Assim, quando
você passar pelo Vale pode dizer:
“Mais abaixo que eu
Sempre mas abaixo que eu se encontra a água [... ] passiva e
obstinada em seu único vício: a gravidade.*”
O único vício do velho Anhangabaú foi certamente correr em
direção ao seu destino cortando um caminho ambicionado pelo homem que não hesitou
em enterrá-lo vivo para realizar seu projeto...
Há muito tempo é um endereço. Acima: panorama do Vale do Anhangabaú a partir do Edifício Martinellim com o prédio dos Correios no centro.
Theatro Municipal: uma vista para o Vale.
*“O partido das coisas”, do
poeta francês Francis Ponge (1899-1988).
Sexta-feira, com garoa e
vento, que pede um casaquinho. Dia para ficar em casa e à tarde tomar um chá
com torradas e saborear uma fatia de bolo; noite para uma sopa quente e
reconfortante. Eu só tomo chá preto – qualquer outro me sabe à mezinha.
As
receitas para esse programa são infindáveis. Há aquelas de família, guardadas a
sete chaves, as oferecidas pelos programas de TV e ainda aquelas criadas por
cada um de nós com o que se tem em casa no momento. Os mais práticos (ou
preguiçosos) vão mesmo à padaria da esquina ou àquelas sofisticadas em busca de
socorro.
Para as torradas pode ser o pão de amanhecido fatiado e lambuzado de manteiga.
O bolo não deve ser problema, afinal, desde que se inventou a mistura
industrializada, creio que todos têm um pacotinho de reserva na despensa. E a
sopa? A sopa é o que a imaginação de cada um cria a partir do que tem na
geladeira.
O
folclorista Luiz da Câmara Cascudo diz que a sopa era apenas um pedaço de
pão embebido em caldo, leite ou vinho (dessa eu gostei). “O pão absorvia o
líquido, umedecendo-se. Só assim compreende-se o molhado como uma
sopa.” Enfim, pode ser de feijão com macarrão, de hortaliças e legumes, de
batatas com enchidos... Se houver tempo e disposição, de ervilha, mandioquinha
ou grão-de-bico com músculo, as minhas preferidas.
Dia dos professores! Obrigada a todos os meus professores. Foram
tantos, mas todos deram uma importante contribuição para a minha formação.
Muitos ficariam chocados com os erros que ainda cometo, mas a estes eu pediria
desculpas, prometo corrigir-me sem aquela angústia de uma nota baixa no boletim
ou na caderneta. Um abraço muito carinhoso a todos os mestres. A imagem é do
Museu da Escola Catarinense, Rua Saldanha Marinho, 196 -
Centro, Florianópolis. Nas escolas em que estudei não havia ventiladores.
(Não encontrei o nome do fotógrafo para creditar.)
A vontade fazer um bolo (que passou rápido)
foi provocada pela busca de informações sobre um adereço de cozinha. Achava que
havia lido na minha bíblia sobre alimentação brasileira, o livro de Luis da
Câmara Cascudo. Assim, passei a manhã folheando as quase mil páginas da obra
até que lembrei que poderia ter sido coisa de Gilberto Freyre e fui tirá-lo da
estante. Em meio a muito açúcar e ovos encontrei o que procurava. Com a busca
bem sucedida fiquei me deliciando com as receitas de doces da culinária
brasileira, com nomes tão saborosos quanto as guloseimas propostas. Alguns
exemplos: bolo dos namorados, toalha felpuda, colchão de noiva, bolo ciúmes... Ou
ainda Beijos de Cabocla à Moda de Noruega, Bolo Senhora Condessa.
Quem achou um exagero a dúzia de ovos para o
preparo do Bolo sem Nome, não viu nada. O Bolo Padre João leva 18 ovos!
Gilberto Freyre relata que houve um tempo em
que “os nomes de alguns bolos e doces do Nordeste recordam acontecimentos
políticos de certas épocas, datas ou figuras gloriosas, grandes feitos
brasileiros” e assim os antagonismos políticos eram assados nos fogões a lenha dos
engenhos de açúcar e levados à mesa das famílias nordestinas. Entre os exemplos
que o sociólogo cita estão os bolos Cabano (Cabanada), Legalista, D. Pedro II,
Treze de Maio e Republicano...
Obra do pintor mineiro contemporâneo Rui de Paula.
QUE TAL UM BOLO? No que estou pensando? Em fazer um bolo... Receitas? Achei um BOLO SEM NOME – 12 ovos, cinco xícaras ou 850 g de açúcar. Bate-se bem. Depois bota-se 250 g de manteiga, junta-se tudo e torna-se a bater. Depois ralam-se dois cocos, tira-se o leite, mistura-se tudo e leva-se ao forno brando numa forma untada com manteiga. Estou em dúvida se o bolo SANTOS DUMONT não seria melhor – oito ovos, ½ quilo de açúcar, 360 g de farinha de trigo, leite puro de dois cocos. Bate-se bem e vai ao forno regular em forma untada com manteiga? Ou bolinho de chuva?
Outubro, óleo sobre tela de Károly Ferenczy (1862-1917).
Em meados do
século passado costumava-se perguntar o que estava na moda antes de atualizar o
guarda-roupa; nestes tempos de século XXI, não se precisa mais ter essa
preocupação. Qualquer coisa serve. Tanto para homens como mulheres. Pelo menos
é o que observo ao caminhar pela cidade, viajar de metrô ou ônibus. As mulheres
podem simplesmente vasculhar o baú das bisavós e saírem com qualquer peça que
encontrarem para compor o visual – até a fantasia de um carnaval dos anos
cinquenta... E o resultado nem sempre é desastroso.
Nesse cenário, o
jeans ainda reina. Ele veste homens e mulheres, jovens e velhos, gordos e
magros, altos e baixos. Levi Strauss (1829-1902), o idealizador da calça jeans
para os mineiros que procuravam ouro no Oeste dos Estados Unidos, ficaria
surpreso ao saber que a peça se tornou obrigatória em todos os guarda-roupas do
mundo. O jeans ganhou o mundo acidentalmente em 1955, ano do lançamento do
filme “Juventude Transviada” em que o ator James Dean (1931-1955) interpreta um
jovem rebelde sem causa. Melhor peça publicitária impossível.
Acima de tudo o
jeans é funcional, mas seduziu até os grandes nomes da moda, como Hermès e
Lauren. Em 1974, o Museu de Arte Contemporânea de Nova Iorque promoveu uma
exposição com as peças premiadas em um concurso sobre “Metamorfoses do Jeans”. Agora,
jeans rasgados ou esgarçados predominam e eu me pergunto o que leva alguém a
pagar por algo deteriorado? Minhas roupas velhas nunca chegam a esse estado.
Enfim, gostei
demais do que escreveu a crítica Claudine Elsykman sobre a mostra de Nova York:
“O traje é um tecido exagerado que modela o corpo numa dramaturgia de
calvário-sedução; o jeans surgiu quando o corpo sem artifícios encontrou o
tecido sem referência”.
Gosto de caminhar pelas cidades que
visito e tento imaginar como ocorreram os fatos históricos do lugar, o destino
das pessoas e a vida da população no presente. Há exatamente um ano em Los
Angeles tive um sábado muito especial: após algumas décadas, reencontrei uma
amiga, que me proporcionou um delicioso passeio pelo passado da cidade dos
anjos. Foi uma tarde inesquecível tanto pelo reencontro como pelo passeio. Ela
me fotografou com esta figura equestre ao fundo, que descobri mais tarde se
tratar de Antonio Aguilar (1919-2017), compositor, cantor e ator mexicano.
Embora famoso, nunca tinha ouvido falar dele.
Dia Internacional
do Idoso – instituído pela ONU em 1991 para sensibilizar a sociedade para as questões do envelhecimento e
da necessidade de proteger e cuidar da população mais idosa.As pessoas tendem a reclamar da chegada da velhice, mas deviam se
rejubilar, afinal, a alternativa é bem radical. É verdade que nos tempos atuais
as bruxas e suas poções mágicas foram substituídas por cirurgiões plásticos e
tecnologias de ponta que ajudam a retardar o ciclo natural da vida.
O filósofo Sêneca (?-65) ao visitar a casa de campo dele encontrou-a em ruínas e o zelador disse-lhe que não se tratava de negligência, mas a propriedade estava velha. “Esta vila foi construída por mim. Qual será o meu futuro se tão podres estão as pedras do meu tempo?” – desabafa Sêneca em carta ao amigo Lucílio. O filósofo continua a descarregar a irritação no empregado e critica o estado dos plátanos: “não têm folhas, os ramos estão secos”; o zelador jura que fez o que pôde, mas as árvores estão muito velhas. “Que isto fique entre nós: eu as plantara, eu vira suas primeiras folhas” – queixa-se Sêneca, que em sua visita à vila descobre a própria velhice.
Com os avanços científicos e tecnológicos do século XX, a expectativa de vida do Homem aumentou e o conceito de velhice mudou. A Organização Mundial de Saúde estima que em 2050 haverá dois bilhões de idosos no mundo e em 2020 pela primeira vez na história o número de pessoas com mais de 60 anos será maior que o de crianças até cinco anos e 80% dessas pessoas viverão em países de baixa e média renda*. Os idosos estão incluídos na categoria da terceira idade, contudo, já se fala até na quarta idade, que agrupa pessoas acima dos 80 anos. Em 2010 eram menos de três milhões nessa faixa de idade e as projeções mostram que em 2060 haverá mais de 19 milhões nessa categoria.O Japão pode ser um exemplo do futuro. Com taxa de natalidade em declínio, o país registra a maior porcentagem de idosos do mundo, pois 24% dos habitantes têm 65 anos ou mais. A expectativa de vida é de 84,19 anos, perdendo para Mônaco (89,73) e Macau (84,41), segundo dados do CIA World Factbook.
Numa sociedade em que cada vez mais se valoriza o novo e a aparência, cresce o medo do envelhecimento e surge, triunfante, o que a socióloga de saúde americana Anne Karpf chama de “mercado anti-idade”. Com um potencial de consumo global de U$ 10 trilhões em 2020, o público sênior (acima de 60 anos) deve ganhar cada vez mais relevância no varejo. Mas os cuidados para evitar o envelhecimento, entretanto, começam muito mais cedo, na faixa dos trinta anos ou até menos, o que amplia a clientela da indústria anti-idade.
Em 2010, o Brasil tinha 190.732.694milhões de habitantes dos quais 23,5 milhões estavam com mais de 60 anos, de acordo com o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O crescimento da população de idosos foi acompanhado de uma grande mudança comportamental, com reflexos na economia. Os avós do século XXI são muito diferentes dos que tivemos. A maioria ao se aposentar enfrenta problemas financeiros; entretanto muitos se prepararam para a nova fase e aproveitam o ócio merecido. De modo geral são independentes. A alimentação guia-se pelo saudável e quando saem é para praticar esportes, caminhar, passear e buscar novos interesses que incluem atividades culturais e turismo. Os passatempos caseiros incluem tecnologia digital.
O mercado está de olho neles. Os bancos mostram-se sempre ávidos para fornecer crédito consignado àqueles que enfrentam problemas econômicos após a aposentadoria. Para estes felizmente, há bilhetes especiais para o transporte público que lhes permite escapar das quatro paredes para se distrair ou mesmo para trabalhar. Entidades públicas como as universidades paulistas, e instituições como o SESC, CIEE entre outras oferecem cursos, palestras e seminários gratuitos ou a preços mínimos para que enriqueçam a vida e façam novos amigos. As empresas de turismo preparam-lhes “pacotes especiais”.
Cursos de dança, bailes e concursos de beleza atraem um público animado e, na esteira deles, move-se o mercado de moda, e cosméticos. Embora a gerontologia – ciência que estuda o processo de envelhecimento sob o ponto de vista biológico, psicológico e social – tenha se desenvolvido a partir da II Guerra Mundial, o tema vem sendo analisado desde a Antiguidade. No Ocidente, Marco TúlioCícero (106-42 a. C.) escreveu “Saber envelhecer”, que deveria ser lido com muita atenção por jovens e idosos porque é incrivelmente contemporâneo.
Na medicina, a geriatria é uma área em franca expansão. O geriatra “se preocupa com todos os aspectos da saúde do idoso conforme as particularidades do processo de envelhecimento”. Outra atividade em crescimento é a do cuidador de idoso que, na maioria dos casos, é exercida por pessoas sem preparo que precisam de um rendimento; entretanto, há vários cursos disponíveis para melhorar a qualidade do serviço prestado. A Cruz Vermelha Brasileira (Filial São Paulo), por exemplo, promove cursos gratuitos para formação do prestador de serviços nessa área. Por mais que se doure a pílula da velhice, nem todos enfrentam essa etapa da vida como gostaria.
“Acaso os adolescentes deveriam lamentar a infância e depois, tendo amadurecido, chorar a adolescência? A vida segue um curso muito preciso e a natureza dota cada idade de qualidades próprias. Por isso a fraqueza das crianças, o ímpeto dos jovens, a seriedade dos adultos, a maturidade da velhice são coisas naturais que devemos apreciar cada uma em seu tempo.” SABER ENVELHECER, obra escrita há mais de dois mil anos por Marco TúlioCícero (106-42 a. C.), político e filósofo romano.