No final do século XVI, a vila de Santos prosperava. Os
colonos plantavam cana-de-açúcar e pelo menos seis engenhos produziam açúcar,
que se tornara a base da economia local. O açúcar era tão importante que servia
também como moeda de troca em caso de necessidade. Os Armadores do Trato, uma
sociedade mercantil responsável pelas atividades do comércio marítimo,
importando produtos da Europa e exportando gêneros da terra, fora fundamental
para a consolidação do povoado. Braz Cubas, o fundador de Santos, tinha todo
direito de se sentir realizado ao olhar os resultados do seu trabalho. Estava
com 85 anos e era um homem rico.
Por aqueles tempos, o Natal era precedido por um mês de jejum – o tempo
do Advento, preparação para a vinda de Deus. Embora nem todos comemorassem o
Natal, os festejos estendiam-se por 12 dias – de 25 de dezembro a 6 de janeiro
e o evento era dedicado à caridade e à partilha de alimentos, especialmente às
crianças.
O Natal de 1591 deveria ser como todos os anteriores. Os moradores da
vila foram assistir à missa como faziam sempre e, provavelmente, planejavam
dedicar o dia às comemorações à mesa junto com a família. Um Natal, com
certeza, à moda portuguesa, embora aos poucos, e por necessidade, novos
componentes tivessem sido agregados à festa, como o poderoso Solanum tuberosum, a popular batata; entretanto, a saudade da terra sempre foi
mitigada pela importação das castanhas, conhecidas como portuguesas, das frutas
secas – damasco, tâmara, uvas... E do vinho, naturalmente. O destaque ficava
com os doces – ricos em açúcar (herança árabe) e ovos. Para os mais pobres
sempre havia as rabanadas.
Infelizmente,
aquele foi um Natal muito amargo. As pessoas assistiam à missa, quando foram
surpreendidas pela chegada dos furiosos piratas de Thomas Cavendish. O pirata
inglês planejara cuidadosamente o ataque em São Sebastião. Dois marinheiros de
Cavendish – Anthony Knivet e John Jane – contaram mais tarde que na noite da
véspera de Natal, um grupo de cem homens partiu rumo a Santos e, no alvorecer
do dia 25, desembarcaram na cidade, dispostos a tudo. Capturaram cerca de
trezentos homens, além de mulheres e crianças. “(...) demos saque à vila e
pusemos todos os nossos homens a postos”.
Thomas Cavendish (1560-1592) nasceu em família rica no condado de
Suffolk; foi bem recebido na corte da rainha Elizabeth e ingressou no
Parlamento, onde se interessou pelos “negócios” de além-mar. Em 1585 viajou
para a América do Norte para conhecer a colônia inglesa e no ano seguinte
empreendeu uma viagem de circunavegação, que o deixou rico. Foi o terceiro
europeu a realizar esse feito. Mas quando perdeu tudo, Cavendish voltou às atividades de pirataria. Partiu de Plymouth em
agosto de 1591, com destino ao oceano Pacífico, para implantar uma rota
comercial. Capitaneava uma frota de cinco embarcações: Leicester, Roebucke, Desire, Daintie e Blacke Pinnace. Chegou em
novembro à costa da Bahia, nas proximidades de Cabo Frio capturaram um navio
mercante português e em seguida rumaram para São Sebastião de onde partiram
para o ataque a Santos.
Os piratas devem ter gostado muito do
vilarejo: ficaram lá por dois meses e nesse período queimaram as embarcações
ancoradas no porto, cinco engenhos, a igreja. A vila ficou destruída. Enfim, Cavendish
resolveu continuar seus planos iniciais de atingir o Pacífico. Na viagem, enfrentaram
continuamente mau tempo e, quando alcançaram o estreito de Magalhães em março,
estavam sem provisões. As embarcações se separaram e Cavendish decidiu retornar
à costa brasileira para reabastecer. Mais especificamente, Santos.
Quem
narra os fatos ocorridos nessa segunda “visita” é o próprio Cavendish em seu
diário. Ele autorizou os marinheiros a desembarcar em busca de comida. No dia
seguinte à ancoragem, apareceu um índio que dizia ter fugido do seu mestre
durante o ataque do Natal. O nativo informou que ali perto havia um engenho
muito rico e que ele levaria uns dez homens até lá. “Ordenei, então, que o
capitão Barker (...) levasse vinte ou trinta homens consigo”. No final da
tarde, para surpresa do pirata, o grupo “enviou de volta o meu bote com um
pouco de milho, seis galinhas e um pequeno carneiro. Vendo que a companhia não retornava,
enviei novamente o meu bote com um homem encarregado de adverti-los de que os
aguardava impacientemente. O bote cedo retornou com uma resposta que muito me
espantou. Os homens mandavam dizer que não sairiam de lá e que um carneiro e
seis galinhas não bastavam para salvar as nossas vidas”. Sem muita escolha, Cavendish
resolveu esperar. E esperou bastante, pois conta que três dias depois o índio
que se oferecera para ajudar reapareceu com três ferimentos graves. “Ele
contou-nos que os demais tinham sido vítimas de uma matança promovida por
trezentos índios e oitenta portugueses”.
A maré de sorte de Thomas Cavendish
terminava ali. Quando partiu de Santos com destino a Ilha de Santa Helena, o
pirata só teve insucessos e não voltaria à Inglaterra: morreu entre novembro e
dezembro de 1592 a bordo do Leicester.
No seu diário escreveu dias antes: “Perdoe os meus rabiscos: saiba que mal
posso segurar a pena”.
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