segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

HORA DOS REMÉDIOS!

Botica, aquarela de Jean-Baptiste Debret (1768-1848, acervo Museu Castro Maya, Rio de Janeiro.

Quando arrumaram os baús para a viagem ao Brasil a fim de catequizar os nativos, que até então eram felizes e não sabiam, os jesuítas providenciaram também a arca com os remédios. À medida que os portugueses prosseguiam na colonização das novas terras, chegaram profissionais em busca de fama e fortuna (mais fortuna do que fama) e entre eles os boticários, como eram então chamados os farmacêuticos. Estavam longe de ter o prestígio do médico, que encabeçava a hierarquia da área da saúde na época, especialmente porque trabalhavam com as mãos, o que era vultar, na perspectiva da metrópole. Curiosamente a maioria compunha-se de cristãos novos, fugitivos da Inquisição ou deportados pelos tribunais do Santo Ofício. 
        Os boticários preparavam os remédios (medicinas) e comercializavam plantas medicinais, pós e elixires. Em geral, o laboratório e a botica funcionavam junto à residência deles. Se você lamenta o preço alto dos remédios, fique sabendo que essa queixa já se fazia nos tempos coloniais. A historiadora Vera Regina Beltrão Marques diz que embora a matéria-prima fosse abundante na Colônia, as plantas medicinais eram importadas de Portugal. “O preço cobrado pelos remédios, considerado muitas vezes exorbitante, somado ao preconceito contra os judeus, rendeu aos boticários a má fama de ladrões.”
       A historiadora conta que o sucesso dos boticários era restrito às grandes cidades, pois nas vilas afastadas e na zona rural, a população preferia medicamentos caseiros. Na verdade, desenvolveu-se uma farmácia nativa e rústica praticada por benzedeiras, garrafeiros e curandeiros, que concorria com a portuguesa (europeia). Em 1648 foi publicado em Amsterdam o primeiro inventário da flora e dos saberes indígenas, organizado pelo médico Guilherme Piso e pelo astrônomo e cartógrafo Jorge Marcgrave: “História natural do Brasil ilustrada”. Os autores eram membros da comitiva do príncipe Mauricio de Nassau, que governou Pernambuco (1637-1644). 
        Quando o caso exigia um vomitivo ou expectorante, os nativos brasileiros usavam a raiz de poaia (Cephaelis ipecacuanha), com a qual também combatiam a disenteria. Um médico francês levou-a para a Europa em 1672, mas o reconhecimento de suas qualidades só aconteceu quando o rei Luis XIV a usou com sucesso (não se sabe se o rei sol estava com disenteria). Nada como um rei esclarecido, pois Oliver Cromwell (1599-1658), político e religioso inglês, morreu de impaludismo por ter se recusado a se tratar com a Cinchona ledgeriana ‒ a quina, um “medicamento jesuíta”, pois foi o padre espanhol Calancha que divulgou a planta americana no Velho Mundo. A quina continua até hoje indispensável no combate à malária. 

Fonte: NOSSA HISTÓRIA, Editora VEra Cruz, RJ, julho de 2005.

Nenhum comentário: