Os Lusíadas
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E foi que de doença crua e feia,
A mais que eu nunca vi, desampararam
Muitos a vida, e em terra estranha e alheia
Os ossos para sempre sepultaram.
Quem haverá que sem o ver o creia?
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gengivas na boca, que crescia
A carne e juntamente apodrecia.
A mais que eu nunca vi, desampararam
Muitos a vida, e em terra estranha e alheia
Os ossos para sempre sepultaram.
Quem haverá que sem o ver o creia?
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gengivas na boca, que crescia
A carne e juntamente apodrecia.
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Apodrecia c’um fétido e bruto
Cheiro, que o ar vizinho inficionava.
Não tínhamos ali médico astuto,
Cirurgião sutil menos se achava;
Mas qualquer, neste ofício pouco instruto,
Pela carne já podre assi cortava
Como se fora morta; e bem convinha,
Pois que morto ficava quem a tinha.
Cheiro, que o ar vizinho inficionava.
Não tínhamos ali médico astuto,
Cirurgião sutil menos se achava;
Mas qualquer, neste ofício pouco instruto,
Pela carne já podre assi cortava
Como se fora morta; e bem convinha,
Pois que morto ficava quem a tinha.
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Enfim, nesta incógnita espessura
Deixámos para sempre os
companheiros,
Que, em tal caminho e em tanta
desventura,
Foram sempre connosco aventureiros.
Quão fácil é ao corpo a sepultura!
Quaisquer ondas do mar, quaisquer
outeiros
Estranhos, assi mesmo como aos
nossos,
Receberão de todo o ilustre os
ossos.
Os LUSÍADAS, Luis de Camões, Editora Abril Cultural,
1982.
A doença descrita
pelo poeta é o escorbuto, que dizimava as tripulações das embarcações que
faziam as rotas transoceânicas. A causa da doença é a falta de vitamina C,
ausente da dieta dos navegantes. Para o médico Pedro Nava (1903-1984) “... não
há tratado antigo ou moderno que tenha dado descrição da oropatia que a
complica, com a precisão e a dramaticidade camonianas”.
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