No Brasil do
século XVI, havia uma escala de profissionais na área da medicina. No topo,
naturalmente, o médico e o cirurgião formados pela Universidade de Coimbra;
seguiam-se os práticos, sem formação acadêmica: os barbeiros sangradores e os
cirurgiões barbeiros aos quais eram atribuídas as ocupações menos nobres;
boticários, enfermeiros e parteiras compunham o restante do grupo. Não
faltavam, entretanto, feiticeiros e benzedores procurados pelos que não
acreditavam nas mezinhas receitadas ou porque a terapêutica aplicada era
dolorosa demais. (Um “tratamento” comum para diarreia era o sacatrapo, que
consistia em um pedaço pontiagudo de madeira revestido por um pano embebido
numa mistura de pólvora, aguardente, pimenta e fumo que era introduzido no ânus
do enfermo.*)
Até meados do século XIX para ser
parteira a única exigência legal era a comprovação de experiência e passar por
um teste de habilidade que, segundo a pesquisadora Maria Lúcia Mott**, nem sempre
era aplicado. Um belo dia a francesa Marie Josephine Mathilde Durocher (1816-1894),
que vivia no Rio de Janeiro, desistiu de dirigir a loja que herdara da mãe e,
na hora de escolher um novo rumo na vida, decidiu ser parteira como duas
conterrâneas, Madame Pipar e Madame Berthou. O companheiro havia morrido e ela tinha
dois filhos.
Maria Josefina teve o cuidado de se preparar e em 1834 se matriculou no
curso de Partos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e tomou aulas particulares
com médicos da Corte. Tornou-se uma das mais importantes parteiras do Rio de
Janeiro, com uma clientela invejável. Atendia a todas as mulheres, sem
distinção, em qualquer bairro da cidade. Madame Durocher “fazia também
atendimento clínico e tratava de problemas ginecológicos, cuidava de doenças
dos recém-nascidos, era convocada para perícia médico-legal, aconselhava na
escolha de amas de leite”. Em 1871 recebeu convite para ingressar na Imperial
Academia de Medicina que tinha entre seus objetivos dar parecer em Obstetrícia
e foi a única parteira a ser sócia da entidade. Embora a ginecologia fosse
restrita a médicos, ela justificava sua intromissão no ramo porque muitas
mulheres se recusavam a ser tratadas por homens, mas para tanto estudou as
moléstias uterinas. Médicos encaminhavam para ela pacientes recalcitrantes, o
que comprova sua perícia.
Mme. Durocher. (Wikipedia) |
Um fato curioso: quando começou a trabalhar, Madame Durocher passou a
usar sobrecasaca, gravata borboleta e cartola, peças masculinas que lhe davam
um aspecto bizarro, mas que ela considerava mais cômodas para o trabalho e mais
decentes para uma parteira, mas era também uma questão de segurança porque na
época apenas prostitutas saiam à noite sozinhas. “Não se sabia, à primeira
vista, a que sexo pertencia essa personalidade original. Pelo aspecto físico e
pelas vestes era um misto mal definido de homem e de mulher”, escreveu o médico
Alfredo Nascimento.
Enfim, Maria Josefina Matilde Durocher, que naturalizada brasileira, fez
a diferença na Corte, ajudando as mulheres de seu tempo e abrindo espaço em um
mundo masculino por sua competência profissional.
**Maria Lúcia Mott: “Uma parteira diplomada”, in revista NOSSA HISTÓRIA, Editora Vera Cruz, RJ, julho de 2005.
*Nauk Maria de Jesus: “Os remédios cruéis da Colônia”, in revista NOSSA HISTÓRIA, Editora Vera Cruz, RJ, , julho de 2005.
2 comentários:
Hilda
Adorei a matéria! parabéns
Cleci
Obrigada, Cleci! Um forte abraço!
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