sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

HORA DO PARTO? CHAME MADAME DUROCHER!



No Brasil do século XVI, havia uma escala de profissionais na área da medicina. No topo, naturalmente, o médico e o cirurgião formados pela Universidade de Coimbra; seguiam-se os práticos, sem formação acadêmica: os barbeiros sangradores e os cirurgiões barbeiros aos quais eram atribuídas as ocupações menos nobres; boticários, enfermeiros e parteiras compunham o restante do grupo. Não faltavam, entretanto, feiticeiros e benzedores procurados pelos que não acreditavam nas mezinhas receitadas ou porque a terapêutica aplicada era dolorosa demais. (Um “tratamento” comum para diarreia era o sacatrapo, que consistia em um pedaço pontiagudo de madeira revestido por um pano embebido numa mistura de pólvora, aguardente, pimenta e fumo que era introduzido no ânus do enfermo.*)
        Até meados do século XIX para ser parteira a única exigência legal era a comprovação de experiência e passar por um teste de habilidade que, segundo a pesquisadora Maria Lúcia Mott**, nem sempre era aplicado. Um belo dia a francesa Marie Josephine Mathilde Durocher (1816-1894), que vivia no Rio de Janeiro, desistiu de dirigir a loja que herdara da mãe e, na hora de escolher um novo rumo na vida, decidiu ser parteira como duas conterrâneas, Madame Pipar e Madame Berthou. O companheiro havia morrido e ela tinha dois filhos.
Maria Josefina teve o cuidado de se preparar e em 1834 se matriculou no curso de Partos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e tomou aulas particulares com médicos da Corte. Tornou-se uma das mais importantes parteiras do Rio de Janeiro, com uma clientela invejável. Atendia a todas as mulheres, sem distinção, em qualquer bairro da cidade. Madame Durocher “fazia também atendimento clínico e tratava de problemas ginecológicos, cuidava de doenças dos recém-nascidos, era convocada para perícia médico-legal, aconselhava na escolha de amas de leite”. Em 1871 recebeu convite para ingressar na Imperial Academia de Medicina que tinha entre seus objetivos dar parecer em Obstetrícia e foi a única parteira a ser sócia da entidade. Embora a ginecologia fosse restrita a médicos, ela justificava sua intromissão no ramo porque muitas mulheres se recusavam a ser tratadas por homens, mas para tanto estudou as moléstias uterinas. Médicos encaminhavam para ela pacientes recalcitrantes, o que comprova sua perícia.

Mme. Durocher. (Wikipedia)

Um fato curioso: quando começou a trabalhar, Madame Durocher passou a usar sobrecasaca, gravata borboleta e cartola, peças masculinas que lhe davam um aspecto bizarro, mas que ela considerava mais cômodas para o trabalho e mais decentes para uma parteira, mas era também uma questão de segurança porque na época apenas prostitutas saiam à noite sozinhas. “Não se sabia, à primeira vista, a que sexo pertencia essa personalidade original. Pelo aspecto físico e pelas vestes era um misto mal definido de homem e de mulher”, escreveu o médico Alfredo Nascimento.
Enfim, Maria Josefina Matilde Durocher, que naturalizada brasileira, fez a diferença na Corte, ajudando as mulheres de seu tempo e abrindo espaço em um mundo masculino por sua competência profissional.
  
**Maria Lúcia Mott: “Uma parteira diplomada”, in revista NOSSA HISTÓRIA, Editora Vera Cruz, RJ, julho de 2005.
*Nauk Maria de Jesus: “Os remédios cruéis da Colônia”, in revista NOSSA HISTÓRIA, Editora Vera Cruz, RJ, , julho de 2005.



2 comentários:

Unknown disse...

Hilda
Adorei a matéria! parabéns
Cleci

Hilda Araújo disse...

Obrigada, Cleci! Um forte abraço!