quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

NOSSOS ANOS VINTE


Se Paris estava fervendo há cem anos, no Brasil, uma turma jovem se preparava para pôr fogo na canjica, ou seja, mexer com a sociedade paulista conservadora e seguidora dos modismos estrangeiros, aliás, especialmente franceses. Na verdade, o francês era a língua preferida de intelectuais e de famosos na época. Os jovens cutucaram a onça com vara curta no sacrossanto Theatro Municipal de São Paulo (miniatura do Palais Garnier). Em 1922 a sociedade paulistana teve o seu pesadelo de uma noite de verão. Na verdade, uma semana ‒ de 11 a 18 de fevereiro daquele ano da graça (mesmo) de 1922.
     Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Menotti Del Picchia, Anita Malfatti, Sérgio Milliet, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida agitavam a Pauliceia com suas ideias modernistas desde o início da década, mas foi a chegada de Graça Aranha a São Paulo que deu o impulso para a realização de um evento que marcasse o movimento de renovação. Quem fez o quê? Difícil estabelecer os fatos, como demonstra o jornalista Marcos Augusto Gonçalves no livro “1922, a semana que não terminou”, mas parece que Di Cavalcanti teve a ideia de promover um salão modernista na livraria onde ele expunha seus trabalhos, o que coincidiu com as intenções de Graça Aranha, que fez o contado do grupo com Paulo Prado ‒ neto de Dona Veridiana e filho do Conselheiro Antônio Prado, enfim, membro de uma das famílias mais ricas e influentes de São Paulo. Numa das reuniões, a companheira de Paulo Prado sugeriu o formato: uma semana de eventos, como acontecia em Deauville (França), para lançamento de modas. E o local teria sido escolha de Paulo Prado, mas coube a René Thiollier, outro bem-nascido, os contatos para o aluguel do Theatro Municipal. 
          A Semana de Arte Moderna foi resultado de um trabalho coletivo e seus protagonistas iniciaram sob vaias e críticas acerbas as mudanças no cenário cultural brasileiro. Depois da Semana de Arte de Moderna, nada seria como antes ‒ até um suíço desembarcou em Santos em 1924, se apaixonou por São Paulo e pelos modernistas: Blaise Cendrars (1887-1961), viajante, escritor e poeta.
Em 1921, São Paulo tinha 579.033 habitantes. (A população do Rio de Janeiro, capital da República, era de 1.560.000 pessoas.) O Palácio das Indústrias, no Parque D. Pedro II, ainda estava em construção em janeiro daquele ano e foi onde Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e Hélios Seelinger (1878-1965) descobriram Victor Brecheret, que lá burilava o “Monumento às Bandeiras”, e amaram de paixão a modernidade de seu trabalho.
O grande acontecimento da década prometia ser o centenário da Independência do Brasil e, no Ipiranga, outra obra estava em andamento: o monumento da Independência, criação do italiano Ettore Ximenes. Para a Avenida Paulista, aguardava-se o monumento encomendado a William Zadig pelos alunos da Faculdade Direito para homenagear Olavo Bilac. Os dois monumentos foram inaugurados em 1922 e não agradaram à população. A obra de Zadig, considerada muito feia, ainda tinha um francês beijando uma índia seminua, o que agitou os moralistas de plantão; assim, depois de ser banida de vários lugares da cidade, foi finalmente desmontada e guardada no depósito municipal. O monumento da Independência, que Mário de Andrade comparou a “um centro de mesa”, resistiu e hoje é bastante querido da população. Quanto ao Palácio das Indústrias, hoje cercado por uma paisagem poluída, tornou-se um ponto turístico da cidade e um ótimo centro cultural.  



   

2 comentários:

Nilton Tuna disse...

Estou adorando seus textos sobre os edifícios do centro paulistano. Este, na minha opinião, merece ser compartilhado no Face. O que você acha?

Hilda Araújo disse...

Boa tarde, Nilton. Que bom! Muito obrigada. Fique à vontade para compartilhar, sempre que quiser.
Abraços.