“(Come
chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que
a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade
com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é
de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a
vida.)”
sábado, 30 de outubro de 2021
CHOCOLATE
sexta-feira, 29 de outubro de 2021
DIA NACIONAL DO LIVRO
Neste dia nacional do livro, leio “LUCIANO CARNEIRO”, organizado por Sérgio Burgi, publicado pelo Instituto Moreira Salles. Luciano Carneiro (1926-1959) foi um jornalista completo: grande fotógrafo e excelente texto. Era aviador e paraquedista (na Guerra da Coreia saltou com as tropas americanas atrás da linha do front). Trabalhou na revista CRUZEIRO de 1948 a 1959. Viajou pelo Brasil fazendo grandes reportagens, mas se destacou como correspondente internacional. Ele morreu em um acidente de avião quando voltava de uma reportagem em Brasília, que ainda não havia sido inaugurada.
Luciano Carneiro tinha apenas 33 anos. O livro reúne 170 imagens e 35 matérias. O jornalista Helio Fernandes (1920-2021) na ocasião escreveu: “Sem fazer um jornalismo de liderança, Luciano fazia, no entanto, um jornalismo de vanguarda [...] Era múltiplo e vários, pois considerava que um bom repórter não era apenas o que sabia escrever e fotografar. Pode-se dizer que Luciano traçou desde cedo o seu destino de repórter e cumpriu-o religiosamente. Luciano gostava de viver, tinha mesmo uma certa pressa de gastar a vida e isso demonstrou fazendo tanto em tão pouco tempo, vivendo em 33 anos mais do que muita gente em 50 ou 60. [...] Teófilo de Andrade [...] disse que, a cada vez que voava, Luciano volta com as mãos cheias de estrelas. E como voou muito, como durante muito tempo não fez praticamente outra coisa, suas mãos já transbordavam, as estrelas se faziam visíveis, se acumulavam, eram incontáveis”. Estou gostando muito.
UM ÔNIBUS PARA INSONES
Há
muitos anos, quando chovia muito no final da tarde e o córrego Pirajuçara inundava
a entrada da USP, os congestionamentos eram um sério transtorno. Em uma dessas
ocasiões, ônibus lotado, ficamos parados quase uma hora um pouco antes do
córrego. Um dos passageiros era o Piauí, que dialogava entusiasticamente com
seu velho amigo invisível (mas real para ele). Piauí, ex-aluno, tinha sérios problemas
mentais e “estabelecera” seu território na Faculdade de Filosofia havia muitos
anos. De repente ouviu-se uma moça gritando: “Para, para, eu ia descer em
Santana!”. Risadas gerais. O ônibus nem saíra do campus. O cochilo valeu boas
risadas, o constrangimento dela logo superado e um intervalo no papo sério de
Piauí.
Lembrei-me do fato porque acabei de ler no Washington Post que uma
empresa de turismo de Hong Kong criou uma linha de ônibus com um percurso de
cinco horas especificamente para passageiros dormirem! A iniciativa foi baseada
na observação de que os ônibus de dois andares têm sido muito populares entre
os passageiros que desejam tirar uma soneca.
De acordo com um clínico geral da cidade, esse é um sinal de alerta para
distúrbios do sono e conta que o problema dobrou com a pandemia. O ritmo
estressante da cidade é um dos motivos da insônia. Muitas pessoas levam travesseiros
para o trabalho e na hora do almoço procuram hotéis cápsula que oferecem check in por uma hora.
Uma pesquisa da Universidade Chinesa de Hong Kong mostrou que
cerca de 7 a cada 10 pessoas ouvidas relataram ter tido insônia, e 60 %
delas não podiam dormir por causa da pandemia e da agitação social
nos últimos anos. Aproximadamente 40 %o disseram que o estresse no
trabalho e na escola lhes afeta a qualidade do sono.
No ônibus, o ruído do motor e o ritmo do veículo em movimento ajudam a
pegar no sono. O veículo para os insones dispõe de 31 assentos no piso inferior
e 55 no superior; os bancos são revestidos de couro artificial e têm suporte
para a cabeça; o passageiro recebe máscara para dormir e tampões para os
ouvidos. O trajeto inclui breves paradas para o uso do banheiro e, como é um ônibus
de turismo, também há paradas nos pontos de interesse para quem quiser
desfrutar do panorama.
Bom sono!
sábado, 23 de outubro de 2021
AVIÕES INVADEM NOSSA PRAIA
O interesse do santista pela aviação cresceu. Atravessar a vastidão do Atlântico era um ato tão ousado quanto o realizado pelos primeiros navegadores portugueses. O tráfego aéreo nas praias de Santos tornou-se constante porque a cidade era uma parada importante nos trajetos que começavam a ser explorados. Assim, não é de admirar que a população festejasse tanto esses pioneiros, que traziam o espírito de aventura para a cidade. Foi uma época em que a praia não estava nem para peixe nem para banhistas, no mar havia mais aviões pousando que vapores e veleiros navegando.
Em agosto de 1920, o aviador inglês John Pinder pousou em Santos, no percurso Rio de Janeiro-Porto Alegre. Pinder, que pilotava um hidroavião Macchi-9, estava acompanhado do segundo-tenente do Exército Brasileiro, Aliantar de Araújo Martins.
Na tarde do dia 13 de
setembro de 1922, o aviador do exército chileno, capitão Diego Aracena Aguilar,
que tentava levar a cabo o audacioso reide
Santiago – Rio de Janeiro, em homenagem ao Centenário da Independência do
Brasil, fez um pouso forçado nas imediações do Forte do Itaipu. Após ter sido
socorrido pelo comandante da fortaleza, que gentilmente lhe ofereceu gasolina,
o piloto chileno pôde chegar a Santos, de onde levantou voo no dia seguinte com
destino ao Rio de Janeiro.
A Esquadrilha Anhangá, da Aviação do Exército, que partiu do Campo
dos Afonsos, no Rio, no dia 21 de abril de 1923, com destino a São Paulo, passou por
Santos no regresso ao Rio de Janeiro no dia 7 de maio. No dia 23 do mesmo mês,
um avião Breguet 14, do Exército,
pilotado pelo primeiro-tenente Borges Leitão, pernoitou em nossa cidade,
rumando no dia seguinte para Curitiba.
Em 27 de fevereiro de 1927, o aviador italiano Marques De Pinedo,
que já havia feito travessia do Atlântico Sul três vezes, pousou em frente à Bocaina onde o seu hidroavião Santa Maria ficou amarrado. De
Pinedo – que se dirigia a Buenos Aires – foi recebido festivamente pelas
autoridades e pela população da cidade.
Os americanos apareceram por Santos. Após um voo de
contorno da costa das Américas Central e do Sul pelo Pacífico, a Esquadrilha
Pan-Americana ao retornar aos Estados Unidos pelo Atlântico, faz um pouso na
Base em março. A esquadrilha era formada por cinco aviões anfíbios Loening, do Exército Norte-Americano[1].
SAIAS VOADORAS
A manhã
chegava ao fim, quando um pequeno aeroplano riscou o céu, fez algumas
acrobacias e pousou na praia do Gonzaga. As pessoas aproximaram-se, curiosas e
entusiasmadas, para receber mais um visitante que desembarcava na praia como já
haviam feito antes outros pilotos.
A grande surpresa, no entanto, foi quando
viram que o piloto era mulher. A aviadora Anésia Pinheiro Machado, procedente
de São Paulo, trazia uma mensagem do jornal paulistano A GAZETA para a imprensa santista. Com este reide aéreo São Paulo-Santos, Anésia – que tinha 17 anos – bateu o recorde feminino
de altura na América do Sul, tendo atingido a marca de 4.124 metros de altitude
com o seu aparelho Aviatik!
Data: 18 de maio de 1922.
A
mensagem do jornal era bem ingênua.
“À
imprensa de Santos: Aos prezados colegas da imprensa de Santos, A Gazeta
envia, através dos ares e por intermédio da gentil aviadora patrícia Anésia
Pinheiro Machado, as suas saudações afetuosas. Nesse momento em que o espírito
público acompanha, com indizível interesse, as peripécias emocionantes de uma
ousada e brilhante iniciativa nos domínios da aviação, a proeza da sota
paulista deve merecer o nosso mais simpático e dedicado apoio. São Paulo, 17 de
maio de 1922. Oliveira Vianna e Miguel Arco e Flecha.”
A
pioneira da aviação brasileira (ela foi a segunda brasileira a pilotar um avião) era esperada pelas autoridades santistas que a
receberam carinhosamente. Em setembro de 1922, Anésia voou de
São Paulo para o Rio de Janeiro em um avião Caudron G.3 (foto), o mesmo que ela pilotara em seu primeiro voo solo, seis
meses antes.
Ela
voltaria a Santos em outras ocasiões. Em julho de 1924, durante a sedição
paulista, a
Marinha do Brasil movimentou a esquadra para o Porto de Santos, onde estacionou
durante quase todo o mês de julho daquele ano. A
população pôde observar uma das primeiras batalhas aeronavais da América do Sul
e o encouraçado MINAS GERAIS, atracado no porto, foi o alvo predileto dos
aviadores, segundo historiadores. Anésia Pinheiro Machado, que se alinhou com os tenentes, também realizou uma missão em Santos, no mínimo inusitada.
Depois de efetuar manobras sobre o encouraçado MINAS GERAIS, a aviadora lançou
um ramalhete de flores acompanhado de um cartão com mensagem: “Se fosse uma
bomba?”. Pela ação foi proibida pelas autoridades de voar.
Anos depois Anésia comentaria que “esse movimento (foi) mais uma grande página da história paulista. Claro que não bombardearia, por espírito patriótico, aquele vaso de guerra. Entretanto, se ali fiz isso, foi para demonstrar ao governo federal que São Paulo nada temia" O gesto feminino repercutiu em todo o País.
23 de outubro: Dia do Aviador e da Força Aérea Brasileira.
No dia 23 de outubro de 1906, Alberto Santos-Dumont realizou o primeiro voo com o seu 14-bis, no Campo de Bagatelle em Paris. Nesse dia ele, ele provou que um veículo mais pesado que o ar podia voar, percorrendo 60 metros em sete segundos a uma altura de dois metros do solo diante da Comissão Oficial do Aeroclube da França e uma plateia de mais de mil pessoas.
O MUNDO DAS "PIN UPS"
Sempre relacionei pin
up a um modismo surgido durante a II Guerra Mundial (1939-1945), em decorrência da
mania dos soldados americanos de pendurar (pin up) nas paredes dos alojamentos desenhos
ou fotos de garotas e atrizes sensuais, geralmente recortados de revistas e
calendários. Aprendi recentemente que o termo existe desde a década de 1890, época em que as pessoas
usavam ilustrações de jornais, revistas, postais, litografias para decorar os ambientes. Em algum momento as imagens ficaram mais eróticas ‒ as moças tinham
corpos atraentes que exibiam em poses sugestivas. Artistas especializaram-se em
desenhar essas garotas, que mexiam com o imaginário masculino.
O termo pin up se popularizou durante a II Guerra, quando a indústria cinematográfica percebeu a mania dos soldados e passou a produzir fotos de artistas de cinema publicadas inclusive pela revista YANK do Exército Americano. As atrizes escolhidas eram chamadas de “pin ups”. Betty Grable (1916-1973), Rita Hayworth (1918-1987), Betty Page (1923-2008), Linda Darnell (1923-1965), Lauren Bacall (1924-2014) e Marilyn Monroe (1926-1962) alinham-se entre as mais famosas. Nesse mundo de pin up, Alberto Vargas (1896-1982), Duane Bryers (1911-2012) e Gil Elvgren (1914-1980) são alguns dos ilustradores mais famosos; contudo nele brilhou também Zoe Mozert (1907-1993). A moça não só fazia ótimas ilustrações como também era modelo.
Vargas era peruano, mas foi Duane Bryers, entretanto, que me chamou atenção porque criou um personagem diferente, que desenhou por anos a fio ‒ na verdade por 36 anos, sempre com sucesso. Trata-se de uma pin up fora dos padrões tradicionais ‒ gordinha, meio desajeitada e adora andar com pouca roupa. A personagem tem até nome: chama-se Hilda (ao lado) e surgiu na década de 1950. Abaixo a partir da esquerda Adele Jergens (1917-2002), Ingrid Bergman e Lauren Bacall.
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
NAVEGANDO PELOS CÉUS
O sucesso de Santos Dumont com o 14 Bis em Paris em 23 de outubro de 1906 impulsionou a navegação aérea, que era ainda vista como um esporte para ricos. Os pioneiros da aviação eram considerados excêntricos. Eles compravam os aviões na Europa e tiravam o brevê na França, pois somente lá existiam cursos, que eram oferecidos pela Fédération Aéronautique Internacionale. Eduardo Pacheco Chaves (1887-1975) era filho de cafeicultores e se apaixonou pela aviação. Em 28 de julho de 1911, conseguiu o brevê voando num pequeno Blériot, de 25HP. Ficou internacionalmente famoso por causa de suas façanhas aéreas na Europa.
Em 1912, o governo paulista instituiu um prêmio de 30 mil réis
para o primeiro piloto que fizesse o voo São Paulo – Santos – São Paulo. A
quantia polpuda, na época, atraiu atenção de pilotos internacionais como Roland Garros
(1888-1918). Eduardo Pacheco Chaves, mais conhecido como Edu Chaves, também se
interessou.
De volta da Europa, Edu Chaves desembarcou no Porto de Santos no
dia 8 de março de 1912, trazendo na bagagem alguns aviões para organizar uma
escola de aviação na região de Guapira, em São Paulo. Ele acompanhou o
desembarque das caixas e providenciou o transporte de um dos aviões até a
praia, onde começou a montar o aparelho Blériot, de 50 HP. Quando terminou,
subiu no avião, ligou o
motor e a máquina deslizou suavemente pela areia antes de sobrevoar a praia do
José Menino. Os curiosos, que se aglomeravam na orla aplaudiram as evoluções do
piloto. Assim, Edu Chaves se tornou o primeiro aviador brasileiro a voar nos
céus do nosso país.
O primeiro voo entre Santos e São Paulo seria no dia seguinte.
Roland Garros teve problemas mecânicos no seu Blériot e o Edu Chaves ofereceu a ele uma peça original do estoque
que trouxera da Europa para o conserto. A prova realizou-se com sucesso no dia
9 de março de 1912 e o monoplano pilotado por Garros pousou na praia onde um
grande público esperava pelos participantes. Na volta para a Capital, Edu
Chaves levou a primeira carta aérea de que se tem notícia, enviada pela firma
de café Antunes dos Santos & Cia. e endereçada a Gabriel Corbusier, de São
Paulo, com o seguinte texto:
“Temos a satisfação de
cumprimentar V. Sa. por intermédio do nosso amigo Eduardo Chaves, arrojado
aviador, que causou assombro à população de Santos, nas suas ascensões, assim
como o notável aviador Sr. Garros. Certos da feliz travessia Santos-São Paulo,
nos regozijamos por tão ousada iniciativa.”
Apesar da neblina, o Bleriot aterrissou com
segurança no Parque Antártica, em São Paulo.
A aviação era uma novidade no
mundo e pilotos de vários países arriscavam-se abrindo as rotas que uniram
cidades e continentes, diminuindo distâncias e aproximando nações. Atravessar a
vastidão do Atlântico num avião era um ato ousadia comparável à dos navegadores
século XVI.
O interesse do santista pela aviação cresceu à medida que a cidade se tornou uma escala estratégica e o tráfego aéreo nas praias de Santos tornou-se constante porque a cidade era uma parada importante nos trajetos que começavam a ser explorados. Assim, não é de admirar que a população festejasse esses pioneiros, que traziam o espírito de aventura para a cidade.
quinta-feira, 21 de outubro de 2021
VAMOS À PRAIA
A primeira vez que vi o mar, não me esqueço. Parece que isso ficou dentro de mim como uma necessidade permanente do meu ser. Teria uns 10 anos (...) foi de chofre, o mar, uma grandeza longínqua, enorme, fiquei doentio, não ia, me levavam.
Mário de
Andrade*
O século XX despontou em um mundo predominantemente masculino e formal. Cavalheiros usavam terno e gravata, chapéu de palha ou feltro, polainas e quase sempre levavam guarda-chuva. As senhoras iam às compras em seus vestidos longos, reveladores de um corpo perfeito à custa dos coletes de barbatanas de ferro que desciam até um centímetro abaixo do umbigo. Sob o chapéu, preso por um alfinete com cabo de madrepérola ou de pedras de fantasia, escondia-se o cabelo. Eram itens obrigatórios as meias (pretas) e as botas de cano alto. Nas mãos enluvadas, o leque de seda ou gaze e a sombrinha. Os tecidos da moda são chamalote, faille, tafetá, surá (tecido macio e leve de seda) e merino (tecido de lã de carneiro).
A cidade crescia na direção do mar em um trajeto definido pelo
sistema publico de transportes. Os acessos para a praia eram feitos pelas Vias
Conselheiro Nébias e Dona Ana Costa – a primeira a dispor de serviço de bondes
a tração animal. Os simpáticos bondinhos chegavam a lugares tão distantes
quanto a Ponta da Praia e São Vicente, atravessando áreas encharcadas e
insalubres. A orla era ocupada por chácaras como a de Júlio Conceição e de Dona
Ana da Rocha Ribeiro dos Santos e casarões elegantes – como o do alemão C. A.
Dick, construído em 1900 (Pinacoteca Benedito Calixto). Mas foram os hotéis,
pensões, clubes e casas de diversão que começaram a atrair público para a
praia.
Desde 1894 o Grande Hotel José Menino dominava a paisagem daquela
praia. “Não se pode arribar em Santos por mar, sem admirar um imponente e
esplendido edifício que se eleva majestosamente ao longo de uma praia
maravilhosa e rodeada de exuberante vegetação” – escreveu Charles Hü, em 1907,
em sua obra Le Brésil[1]. No início do
século XX, Madame Elisa Poli, que comprara o Grande Hotel José Menino, mudou a
denominação do estabelecimento para Grande Hotel Internacional numa
demonstração de sua ambição. O edifício – com 22 janelas, além dos dois
torreões que se abriam para o mar e a Ilha de Urubuqueçaba – oferecia
comodidades como sala de leitura, conversação, boudoir das damas, fumoir
dos cavalheiros e sala de bilhar, sem contar salão de baile e de concertos.
O Parque Balneário original foi construído na Avenida Ana Costa e
constituía-se de um hotel dotado de um parque que, entre outras atrações,
oferecia almoço ao ar livre. Na esquina da via Conselheiro Nébias, havia o Columbia
Skating Rink para os adeptos da patinação; além do serviço de refeição, o
Miramar (nome com que se popularizou) oferecia programas cinematográficos e
musicais.
Os ingleses, que formavam uma comunidade expressiva graças às
empresas de capital britânico na cidade, fundaram o Santos Athletic Club e construíram a sede no José Menino, próximo
ao Grande Hotel Internacional. No Clube dos Ingleses, como ficou conhecida a
entidade, as senhoras reuniam-se para saborear o chá das cinco, enquanto os
homens jogavam críquete. Mas havia outros clubes para outras modalidades
esportivas: como o Velo-Santista para os ciclistas, na Ana Costa, onde também
ficava o Sport Club Internacional –
que introduziu o futebol em Santos.
A praia era um espaço de contemplação do mar, da atividade dos
pescadores e de atletas que se aventuravam a nadar ou a velejar pela baía. As
senhoras e senhoritas costumavam aparecer com trajes de passeio mais leves e de
sombrinha em punho para se abrigar do sol. O bronzeado era atributo das classes
trabalhadoras. Banho de mar, apenas sob prescrição médica. Falava-se em
“temporadas de banho” e de “cura climatérica”[2].
No início da segunda década do século XX, a orla santista tornou-se mais movimentada e nos céus haveria mais que rabos-de-palha e gaivotas. Estavam chegando os pioneiros da aviação.
terça-feira, 19 de outubro de 2021
VITRINE DO METRÔ S. BENTO
Quando passei por lá estavam em exposição algumas belíssimas peças de mobiliário do século passado, muitas executadas por artesãos do Liceu de Artes e Ofícios cujo trabalho pode ser admirado em vários lugares públicos da cidade ‒ no Theatro Municipal, os ornamentos, e na Catedral da Sé as portas. Na vitrine, há algumas cadeiras, mesa e cômoda feitas de madeiras nobres como jacarandá, cedro e imbuia. Há também um convite para o passageiro ver muito mais em visita ao Farol Santander (Banespa), ali pertinho.
QUEREMOS VOAR
“Assim, meditando sobre a exploração do grande oceano celeste, por minha vez eu criava aeronaves e inventava máquinas. Tais devaneios eu os guardava comigo.” Alberto Santos Dumont.
O homem nunca aceitou o fato de que voar fosse um privilégio dos
pássaros e acalentou esse desejo desde a antiguidade. Foi o sonho de Ícaro, o
privilégio dos anjos, a delicadeza das fadas, mas principalmente o objeto de
estudos de Da Vinci e, certamente, do padre santista Bartolomeu de Gusmão* com o seu aeróstato que mereceu até patente do rei de Portugal. No início do
século XX, Alberto Santos Dumont (como muitos outros pelo mundo) trabalhava para
colocar nos céus um aparelho dirigível mais pesado do que o ar.
O envolvimento da cidade de Santos pela segunda vez nos primórdios
da aviação aconteceu em 1906, quando Alaor Pereira de Queirós fez exibições com
um balão pela cidade. Ele levantou voo do campo de futebol do Clube
Internacional, na Avenida Ana Costa, próximo de onde está situada a Igreja
Coração de Maria. Queirós teria voado 20 minutos.
Se não existe precisão sobre a data dessa exibição, parece certo
que foi lançado um desafio aeronáutico entre Queirós e certo capitão Magalhães
Costa de origem portuguesa. A competição foi marcada para o dia 12 de março de
1906 com largada a uma hora da tarde do terreno do Moinho Santista, próximo ao
Cemitério do Paquetá. O prêmio consistia de uma medalha de ouro concedida pelo
povo (como sempre) santista.
No dia da prova, apesar da garoa, Queirós estava lá com seu balão Cruzeiro do Sul, assim como a Banda
Musical Colonial Portuguesa, mas o capitão ficou doente e o aeróstato Portugal não levantou voo. O público,
porém, não ficou sem ver balões: Queirós exibiu-se à vontade junto com o
engenheiro da Cia. City, William Devor, que se propôs a acompanhá-lo. A festa
terminou na Rotisserie Sportman, na
Rua XV de Novembro, 158.
Um ano depois, Queirós estava de volta à cidade com um novo balão.
Desta vez contou com a ajuda do jornalista Manoel Bento de Andrade. O voo foi
marcado para o dia 10 de março em um terreno em frente ao número 78 da Rua
Bittencourt. Houve até uma cerimônia de batismo na qual o balão recebeu o nome
de Bartolomeu de Gusmão. Os padrinhos foram Francisco Carvalhal e a
senhorita Dioguina Ricardina de Oliveira. Após a solenidade, Queirós e Manoel
embarcaram no balão.
O final não foi exatamente o esperado. O aeróstato subiu e logo
começou a perder altura, caindo à margem direita do rio Sandy (desaparecido com
o progresso). A dupla voadora foi resgatada sã e salva, mas bastante enlameada.
Nada impediu, entretanto, as comemorações que desta vez foram na Confeitaria
Santista, no Largo do Rosário (Praça Rui Barbosa).
*Aeróstato: veículo que se eleva e se mantém no espaço por efeito da ação da força ascensional de um gás mais leve que o ar, como os balões e dirigíveis. Desconheço a autoria da pintura.
Fonte:"SANTOS: Histórias de Aviadores, Constitucionalistas e Expedicionários", de Hilda Prado de Araújo. Santos, SP. Editora Comunicar, 2016.
segunda-feira, 18 de outubro de 2021
SANTOS NO INÍCIO DO SÉCULO XX
O último dia de dezembro de
1900, uma segunda-feira, amanhece quente e abafado. A cidade de Santos
prepara-se para festejar a chegada do século XX com entusiasmo. As pessoas
provavelmente sentem certa angústia, resultado do noroeste que sopra e das
expectativas que os novos tempos parecem prometer. Ao se despedir do século
XIX, a população brasileira não poderia se queixar: em menos de cem anos,
passara de mera colônia à sede do Reino Português, conquistara a independência
(feita por um príncipe português no caminho entre Santos e São Paulo), acabara
(embora tardiamente) com a escravidão e alcançara a República – ainda dando
seus primeiros e trôpegos passos.
Houvera também um lado
trágico: a Guerra do Paraguai (1864-1870) deixara um rastro de sangue e uma
mancha indelével na história do país. Ela mobilizara cerca de 150 mil homens
entre 15 e 39 anos Muitos batalhões em marcha para a guerra pousaram em Santos,
no prédio da Cadeia. Muito sangue rolara também por causa das diversas revoltas
que aconteceram nas províncias: Cabanada, a Sedição Militar e a revolta de
Carrancas; o levante dos Malês, a Revolução Farroupilha, a Sabinada e a
Anselmada.
Em Santos, a população pode
fazer um balanço positivo embora ainda vivesse aos sobressaltos com as
epidemias de febre amarela. A ferrovia aproximara mais a cidade do Planalto e o
Porto atraía o mundo para suas portas – como Brás Cubas previra havia quase 367
anos. As embarcações não vinham mais ao sabor dos ventos, mas trazidas pelo
vapor das máquinas. Era a Belle Époque
e começava a florescer a Art Nouveau.
Havia um frisson pelo mundo e muita promessa no ar. Novas tecnologias
prometiam diminuir as distâncias com mais velocidade.
Nesta segunda-feira à
meia-noite, o “belo mar selvagem” lambe preguiçosamente a praia, onde as
chácaras se alinham. No céu, a lua crescente enfeita a noite afagada pelo
noroeste. Na Praça da Republica, em frente à Igreja matriz, realiza-se uma
cerimônia de exposição do santíssimo sacramento e queimam-se girândolas que
transbordam pelas ruas. Os navios apitam, os sinos das igrejas repicam e a
Banda do Corpo de Bombeiros rompe em acordes marciais pelas ruas do centro
urbano, visitando as autoridades e a imprensa. O Clube XV, a Sociedade
Humanitária, a Alfândega, a Recebedoria de Rendas e a Câmara ostentam bandeiras
nas fachadas iluminadas por muitos bicos de gás.
O
século começa. É o Ano da Cobra.
Santos por Benedito Calixto (1853-1927).
*Estes movimentos aconteceram, respectivamente, em
Pernambuco e Alagoas (1832 e 1835); em Minas Gerais (1833), na Bahia (1835); no
Rio Grande do Sul e Santa Catarina (entre 1835 e 1845); Bahia (entre 1837 e
1838) e São Paulo (1838).
sexta-feira, 15 de outubro de 2021
NÃO SE ESQUEÇA: LAVE AS MÃOS.
Dia Mundial de Lavar as Mãos. Até 2020 a única pessoa famosa por lavar as mãos era Pôncio Pilatos. Ironicamente, hoje a data até perdeu o sentido porque nos últimos 593 dias (um ano, sete meses e 14 dias) boa parte da população do planeta lava as mãos quase que de meia em meia hora ‒ com intervalos para dormir. Operação finalizada com uma boa dose álcool 70º Não fiquei contando os dias, procurei me adaptar e descobrir-me enfrentando essa situação estranha e inesperada. Restringi minha vida ao bairro, caminhando até a farmácia e o, supermercado, evitando ônibus e quando muito necessário, usando o metrô em horários de pouco movimento, mantendo distanciamento adequado... Infelizmente, muitos tiveram que continuar as atividades normais como as equipes de saúde, segurança, abastecimento e comunicação; milhões se arriscaram, especialmente os trabalhadores informais porque precisavam sustentar a família e aquele que não tinham meios para comprar a higienização recomendada. Tempos difíceis, mas, felizmente, parece que chegam ao fim; contudo, é preciso continuar a lavar as mãos sempre, aliás, um hábito que nunca deve ser negligenciado.
*O número pode variar dependendo do início do uso dos protocolos sanitários.
quinta-feira, 14 de outubro de 2021
A BREVE JORNADA NAS ESTRELAS
É verdade que Blue Origin não é nenhuma Enterprise e dez minutos não constituem exatamente uma jornada, mas importa que William Shatner teve a grande chance de ir ao espaço como o Capitão Kirk, personagem que ele interpretou nos anos 1960 e, que, surpreendentemente, continua apaixonando novas gerações. "Eu espero nunca me recuperar disso [...]. O que você proporcionou para mim foi a mais importante e profunda experiência", disse a Jeff Bezos, dono da Blue Origin, ao desembarcar. Sem dúvida a empresa fez um ótimo trabalho de marketing para o empreendimento turístico que se destina a pouquíssimas pessoas.
Não sou fã de “Jornada nas Estrelas”; prefiro a saga da família Robinson em “Perdidos no Espaço” (1965-1968). O que impressiona é o fato de que a série criada em meados dos anos 1960 por Gene Roddenberry (1921-1991) teve apenas três temporadas. Muitas coisas eram inovadoras como a tecnologia usada pelos personagens. A tripulação da USS Enterprise era composta por um piloto japonês, um navegador russo, uma oficial de comunicações negra, um engenheiro escocês e um primeiro oficial alienígena (Spock que assombrou Leonard Nimoy pelo resto da carreira).
Com as reprises e o sucesso crescente vieram novas produções tanto para TV como para o cinema; entretanto, isso é dizer pouco sobre a série que gerou livros, quadrinhos, jogos e uma multidão de fãs que se reúne em convenções bastante concorridas ‒ em 2017 houve a primeira no Brasil, realizada em São Paulo.
O elenco original era encabeçado por William Shatner, Leonard Nimoy (1931-2015) e DeForest Kelley (1920-1999), além de George Takei (1937), James Doohan (1920-2005), Walter Koenig (1936), Grace Lee (1930-2015) e Nichelle Nichols (1932) entre outros.
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
A ARTE DE LASAR SEGALL
Durante a pandemia compensei a impossibilidade de visitas a exposições de arte graças à iniciativa do Museu Lasar Segall de manter ativa a vitrine que dispõe na estação Santa Cruz do metrô. A obra de arte torna o caminho mais suave.
No dia 26 de agosto de 2020, a mostra era sobre “Lasar cenógrafo”.
Os personagens de Segall repudiaram o elemento estranho na obra de arte, mas não foi de propósito. Só reparei, quando ampliei.
Tempos depois lá estava outra obra, desta vez uniram o expressivo quadro de Segall a uma citação de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), autora de "Quarto de Despejo: "Saí indisposta com vontade de deitar, mas pobre não descansa".
Mais uma vez os passageiros puderam ver, admirar e refletir sobre esta obra de Lasar Segall. Em abril de 2021 a obra selecionada foi "A Greve", que remete às lutas trabalhistas da década de cinquenta do século passado.
sábado, 9 de outubro de 2021
MÁRIO DE ANDRADE
Em 9 de outubro há 128 anos nascia Mário de Andrade, que assim poetou sobre a vida e a morte.
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Na
rua Aurora eu nasci
Na
aurora de minha vida
E
numa aurora cresci.
No
largo do Paiçandu sonhei,
foi
luta renhida,
Fiquei
pobre e me vi nu.
Nesta
rua Lopes Chaves envelheço,
e
envergonhado nem sei quem foi Lopes Chaves.
Mamãe!
me dá essa lua,
Ser esquecido e ignorado como esses nomes da rua.
Casa da Rua Aurora, onde Mário Nasceu em 1893. Arquivo Histórico. Autor desconhecido.
Quando eu morrer quero ficar
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus."
Lira Paulistana (1945)
Reflexões ‒ De certa forma o desejo expresso por Mário de Andrade (1893-1945) no poema se realizou. Mário está em vários locais da cidade: como o Instituto de Estudos Brasileiros para onde foi seu acervo e o Centro Cultural Mário de Andrade, na casa em que viveu. A presença dele palpita ainda pela Pauliceia que hoje é muito diferente daquela em que ele viveu, mas desvairada como então e que ele amaria do mesmo jeito. Mário por Anita Malfatti (1869-1974).
terça-feira, 5 de outubro de 2021
UM PERFUME CENTENÁRIO. PARA POUCAS.
Para acompanhar a fragrância do Chanel nº 5, o “Perfume Exótico”, de Charles Baudelaire (1821-1867). Infelizmente, não achei o nome do tradutor.
Perfume exótico
Quando, cerrando os olhos, numa noite ardente,
Respiro a fundo o odor dos teus seios fogosos,
Vejo abrirem-se ao longe litorais radiosos
Tingidos por um sol monótono e dolente.
Uma ilha preguiçosa que nos traz à mente
Estranhas árvores e frutos saborosos;
Homens de corpos nus, esguios, vigorosos,
Mulheres cujo olhar faísca à nossa frente.
Guiado por teu perfume a tais paisagens belas,
Vejo um porto a ondular de mastros e de velas
Talvez exaustos de afrontar os vagalhões,
Enquanto o verde aroma dos tamarineiros,
Que à beira-mar circula e inunda-me os pulmões,
Confunde-se em minha alma à voz dos marinheiros.
segunda-feira, 4 de outubro de 2021
COISAS DE SANTOS
Abri meus arquivos de anotações e encontrei algumas
curiosidades sobre a Baixada Santista coletadas em periódicos locais, pouco
úteis, mas interessantes. Os costumes o mudaram muito ao longo do século XX e
continuam mudando de forma acelerada.
· Em janeiro de 1941 foi lançada a subscrição pública para a construção dos quadros da Via Crucis no caminho do Monte Serrat. Uma iniciativa de A Tribuna. Em outra página o jornal tranquilizava os leitores com a notícia de que o “conhecido ratoneiro Amaro Gentil foi preso”. Na gíria da época ratoneiro era ladrão.
· Em janeiro de 1952, a jovem Terezinha Amado foi eleita a mais bela banhista de São Vicente em concurso promovido pelo Atlântico Clube Vicentino. Terezinha tinha 18 anos e estudava no Colégio Martim Afonso. Lea Maria Nogueira e Dulce Wagon (?) foram, respectivamente, a segunda e terceira colocadas.
· Leontina Duarte foi eleita Rainha dos Estudantes de 1953. Irene Peres e Diva Enckin ganharam o título de princesas. Promoção do Centro dos Estudantes de Santos, ora vejam só! O baile de gala aconteceu no grill do Atlântico Hotel, no Gonzaga, com animação da orquestra de Cabral Jr., K. Pinto e Paschoal Mililo.
· Bem antes de ser criado no Brasil o concurso Bebê Johnson, Santos já tinha escolhido o mais lindo bebê da cidade: a garotinha Regina Maria, filha de Maria José Meira Cotrofe, residente à Rua Germano Melchert, 12 - Embaré. O concurso foi uma promoção da Assistência à Infância de Santos, centenária instituição santista. A Tribuna, outubro de 1952. Já o famoso concurso da Johnson & Johnson começou apenas em 1965 e teve períodos de interrupções.
domingo, 3 de outubro de 2021
O PATO
Vinicius de Moraes, com Paulo Soledade e Toquinho.
Lá vem o pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o pato
Para ver o que é que há.
O pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez, o moço
Que foi pra panela
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez, o moço
Que foi pra panela.