O último dia de dezembro de
1900, uma segunda-feira, amanhece quente e abafado. A cidade de Santos
prepara-se para festejar a chegada do século XX com entusiasmo. As pessoas
provavelmente sentem certa angústia, resultado do noroeste que sopra e das
expectativas que os novos tempos parecem prometer. Ao se despedir do século
XIX, a população brasileira não poderia se queixar: em menos de cem anos,
passara de mera colônia à sede do Reino Português, conquistara a independência
(feita por um príncipe português no caminho entre Santos e São Paulo), acabara
(embora tardiamente) com a escravidão e alcançara a República – ainda dando
seus primeiros e trôpegos passos.
Houvera também um lado
trágico: a Guerra do Paraguai (1864-1870) deixara um rastro de sangue e uma
mancha indelével na história do país. Ela mobilizara cerca de 150 mil homens
entre 15 e 39 anos Muitos batalhões em marcha para a guerra pousaram em Santos,
no prédio da Cadeia. Muito sangue rolara também por causa das diversas revoltas
que aconteceram nas províncias: Cabanada, a Sedição Militar e a revolta de
Carrancas; o levante dos Malês, a Revolução Farroupilha, a Sabinada e a
Anselmada.
Em Santos, a população pode
fazer um balanço positivo embora ainda vivesse aos sobressaltos com as
epidemias de febre amarela. A ferrovia aproximara mais a cidade do Planalto e o
Porto atraía o mundo para suas portas – como Brás Cubas previra havia quase 367
anos. As embarcações não vinham mais ao sabor dos ventos, mas trazidas pelo
vapor das máquinas. Era a Belle Époque
e começava a florescer a Art Nouveau.
Havia um frisson pelo mundo e muita promessa no ar. Novas tecnologias
prometiam diminuir as distâncias com mais velocidade.
Nesta segunda-feira à
meia-noite, o “belo mar selvagem” lambe preguiçosamente a praia, onde as
chácaras se alinham. No céu, a lua crescente enfeita a noite afagada pelo
noroeste. Na Praça da Republica, em frente à Igreja matriz, realiza-se uma
cerimônia de exposição do santíssimo sacramento e queimam-se girândolas que
transbordam pelas ruas. Os navios apitam, os sinos das igrejas repicam e a
Banda do Corpo de Bombeiros rompe em acordes marciais pelas ruas do centro
urbano, visitando as autoridades e a imprensa. O Clube XV, a Sociedade
Humanitária, a Alfândega, a Recebedoria de Rendas e a Câmara ostentam bandeiras
nas fachadas iluminadas por muitos bicos de gás.
O
século começa. É o Ano da Cobra.
Santos por Benedito Calixto (1853-1927).
*Estes movimentos aconteceram, respectivamente, em
Pernambuco e Alagoas (1832 e 1835); em Minas Gerais (1833), na Bahia (1835); no
Rio Grande do Sul e Santa Catarina (entre 1835 e 1845); Bahia (entre 1837 e
1838) e São Paulo (1838).
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