segunda-feira, 18 de outubro de 2021

SANTOS NO INÍCIO DO SÉCULO XX

 

O último dia de dezembro de 1900, uma segunda-feira, amanhece quente e abafado. A cidade de Santos prepara-se para festejar a chegada do século XX com entusiasmo. As pessoas provavelmente sentem certa angústia, resultado do noroeste que sopra e das expectativas que os novos tempos parecem prometer. Ao se despedir do século XIX, a população brasileira não poderia se queixar: em menos de cem anos, passara de mera colônia à sede do Reino Português, conquistara a independência (feita por um príncipe português no caminho entre Santos e São Paulo), acabara (embora tardiamente) com a escravidão e alcançara a República – ainda dando seus primeiros e trôpegos passos.

Houvera também um lado trágico: a Guerra do Paraguai (1864-1870) deixara um rastro de sangue e uma mancha indelével na história do país. Ela mobilizara cerca de 150 mil homens entre 15 e 39 anos Muitos batalhões em marcha para a guerra pousaram em Santos, no prédio da Cadeia. Muito sangue rolara também por causa das diversas revoltas que aconteceram nas províncias: Cabanada, a Sedição Militar e a revolta de Carrancas; o levante dos Malês, a Revolução Farroupilha, a Sabinada e a Anselmada.

Em Santos, a população pode fazer um balanço positivo embora ainda vivesse aos sobressaltos com as epidemias de febre amarela. A ferrovia aproximara mais a cidade do Planalto e o Porto atraía o mundo para suas portas – como Brás Cubas previra havia quase 367 anos. As embarcações não vinham mais ao sabor dos ventos, mas trazidas pelo vapor das máquinas. Era a Belle Époque e começava a florescer a Art Nouveau. Havia um frisson pelo mundo e muita promessa no ar. Novas tecnologias prometiam diminuir as distâncias com mais velocidade.

Nesta segunda-feira à meia-noite, o “belo mar selvagem” lambe preguiçosamente a praia, onde as chácaras se alinham. No céu, a lua crescente enfeita a noite afagada pelo noroeste. Na Praça da Republica, em frente à Igreja matriz, realiza-se uma cerimônia de exposição do santíssimo sacramento e queimam-se girândolas que transbordam pelas ruas. Os navios apitam, os sinos das igrejas repicam e a Banda do Corpo de Bombeiros rompe em acordes marciais pelas ruas do centro urbano, visitando as autoridades e a imprensa. O Clube XV, a Sociedade Humanitária, a Alfândega, a Recebedoria de Rendas e a Câmara ostentam bandeiras nas fachadas iluminadas por muitos bicos de gás. 

        O século começa. É o Ano da Cobra.

Santos por Benedito Calixto (1853-1927).

*Estes movimentos aconteceram, respectivamente, em Pernambuco e Alagoas (1832 e 1835); em Minas Gerais (1833), na Bahia (1835); no Rio Grande do Sul e Santa Catarina (entre 1835 e 1845); Bahia (entre 1837 e 1838) e São Paulo (1838).

Fontes citadas no livro "SANTOS: Histórias de Aviadores, Constitucionalistas e Expedicionários", de Hilda Prado de Araújo. Santos, SP. Editora Comunicar, 2016.

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