A primeira vez que vi o mar, não me esqueço. Parece que isso ficou dentro de mim como uma necessidade permanente do meu ser. Teria uns 10 anos (...) foi de chofre, o mar, uma grandeza longínqua, enorme, fiquei doentio, não ia, me levavam.
Mário de
Andrade*
O século XX despontou em um mundo predominantemente masculino e formal. Cavalheiros usavam terno e gravata, chapéu de palha ou feltro, polainas e quase sempre levavam guarda-chuva. As senhoras iam às compras em seus vestidos longos, reveladores de um corpo perfeito à custa dos coletes de barbatanas de ferro que desciam até um centímetro abaixo do umbigo. Sob o chapéu, preso por um alfinete com cabo de madrepérola ou de pedras de fantasia, escondia-se o cabelo. Eram itens obrigatórios as meias (pretas) e as botas de cano alto. Nas mãos enluvadas, o leque de seda ou gaze e a sombrinha. Os tecidos da moda são chamalote, faille, tafetá, surá (tecido macio e leve de seda) e merino (tecido de lã de carneiro).
A cidade crescia na direção do mar em um trajeto definido pelo
sistema publico de transportes. Os acessos para a praia eram feitos pelas Vias
Conselheiro Nébias e Dona Ana Costa – a primeira a dispor de serviço de bondes
a tração animal. Os simpáticos bondinhos chegavam a lugares tão distantes
quanto a Ponta da Praia e São Vicente, atravessando áreas encharcadas e
insalubres. A orla era ocupada por chácaras como a de Júlio Conceição e de Dona
Ana da Rocha Ribeiro dos Santos e casarões elegantes – como o do alemão C. A.
Dick, construído em 1900 (Pinacoteca Benedito Calixto). Mas foram os hotéis,
pensões, clubes e casas de diversão que começaram a atrair público para a
praia.
Desde 1894 o Grande Hotel José Menino dominava a paisagem daquela
praia. “Não se pode arribar em Santos por mar, sem admirar um imponente e
esplendido edifício que se eleva majestosamente ao longo de uma praia
maravilhosa e rodeada de exuberante vegetação” – escreveu Charles Hü, em 1907,
em sua obra Le Brésil[1]. No início do
século XX, Madame Elisa Poli, que comprara o Grande Hotel José Menino, mudou a
denominação do estabelecimento para Grande Hotel Internacional numa
demonstração de sua ambição. O edifício – com 22 janelas, além dos dois
torreões que se abriam para o mar e a Ilha de Urubuqueçaba – oferecia
comodidades como sala de leitura, conversação, boudoir das damas, fumoir
dos cavalheiros e sala de bilhar, sem contar salão de baile e de concertos.
O Parque Balneário original foi construído na Avenida Ana Costa e
constituía-se de um hotel dotado de um parque que, entre outras atrações,
oferecia almoço ao ar livre. Na esquina da via Conselheiro Nébias, havia o Columbia
Skating Rink para os adeptos da patinação; além do serviço de refeição, o
Miramar (nome com que se popularizou) oferecia programas cinematográficos e
musicais.
Os ingleses, que formavam uma comunidade expressiva graças às
empresas de capital britânico na cidade, fundaram o Santos Athletic Club e construíram a sede no José Menino, próximo
ao Grande Hotel Internacional. No Clube dos Ingleses, como ficou conhecida a
entidade, as senhoras reuniam-se para saborear o chá das cinco, enquanto os
homens jogavam críquete. Mas havia outros clubes para outras modalidades
esportivas: como o Velo-Santista para os ciclistas, na Ana Costa, onde também
ficava o Sport Club Internacional –
que introduziu o futebol em Santos.
A praia era um espaço de contemplação do mar, da atividade dos
pescadores e de atletas que se aventuravam a nadar ou a velejar pela baía. As
senhoras e senhoritas costumavam aparecer com trajes de passeio mais leves e de
sombrinha em punho para se abrigar do sol. O bronzeado era atributo das classes
trabalhadoras. Banho de mar, apenas sob prescrição médica. Falava-se em
“temporadas de banho” e de “cura climatérica”[2].
No início da segunda década do século XX, a orla santista tornou-se mais movimentada e nos céus haveria mais que rabos-de-palha e gaivotas. Estavam chegando os pioneiros da aviação.
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