domingo, 18 de setembro de 2022

GOETHE E A ITÁLIA

 

Retrato de Goethe na Campagna, de autoria de Heinrich Wilhelm Tischbein, amigo que hospedou o escritor em Roma.

       Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) nasceu em Frankfurt Am Main, Alemanha. Aos 37 anos ele ocupava o posto de ministro do ducado de Weimar (Turíngia), trabalho que o entediava porque já era um escritor reconhecido na Europa. Seu primeiro livro “Os sofrimentos do jovem Werther” (1774) é um marco da literatura alemã e inicia romantismo. Escrito da forma epistolar tem um forte componente autobiográfico aliado à ficção. O tédio do trabalho e o fim de um relacionamento amoroso foram decisivos para a “fuga” que empreendeu uma noite logo após seu aniversário para realizar seu grande sonho: conhecer a Itália. Goethe tinha uma sólida cultura: formou-se em ciências jurídicas, mas interessava-se por ciências naturais, arquitetura, artes e história entre muitas outras coisas. Falava francês, italiano e inglês e sabia latim e grego. 

Ele começa o diário de viagem (cartas que escrevia aos amigos) no dia 3 de setembro de 1786, explicando que teve que sair escondido porque do contrário não o deixariam partir. A aventura começou às três horas da manhã. “Munido apenas de um alforje e uma mochila de pele de texugo, lancei-me sozinho numa mala-posta e cheguei a Zwota às sete e meia, numa bela e tranquila manhã enevoada”. (Nos dias atuais, Zwota faz parte de Vogtlandkreis, na Saxônia.) Goethe usou o pseudônimo de Jean-Philip Möller. “Meu singular e talvez caprichoso semianonimato traz vantagens que sequer imaginei. Uma vez que todos se obrigam a ignorar quem sou e, portanto, ninguém pode vir falar comigo sobre mim, nada mais resta às pessoas do que falar de si próprias ou de temas que lhes interessam; assim sendo, fico sabendo  em detalhes o que cada um faz, ou o que quer se passe de curioso.”

A viagem nada tinha de turística, coisa que ainda não havia sido inventada. A jornada de Goethe tinha um objetivo mais nobre:  o conhecimento de si próprio e da Antiguidade. Entretanto, reconheço em seu relato o mesmo entusiasmo, a ansiedade do viajante diante do novo “...ao cair da tarde de 28 de setembro de 1786, às cinco horas do nosso horário, eu, proveniente do Brenta e alcançando as lagunas, avistaria Veneza, essa maravilhosa cidade insular; essa república de castores que, logo a seguir, eu estaria adentrando e visitando.” E Veneza não o desaponta. Sozinho, ele percorreu a cidade a pé procurando orientar-se “ao entrar e sair desse labirinto sem perguntar nada a ninguém, apoiando-me mais uma vez apenas nos pontos cardeais". Comprou um mapa da cidade: “Para estudá-lo, subi à torre de São Marcos de onde um espetáculo singular se descortina a nossos olhos. (...) em plena luz do sol, de modo que, mesmo sem um telescópio, pude divisar com clareza o próximo e o distante”.

Como grande escritor as descrições das cidades, dos campos, das montanhas, dos rios e lagos são precisas, elegantes. “Mantenho os olhos sempre abertos e registro bem em minha mente tudo o que vejo. Julgar, não desejo, tanto quanto me é possível não fazê-lo.” Seu pecado, ter passado poucas horas em Florença, mas anseia por Roma: “Não há maneira de alguém preparar-se para Roma senão em Roma”.

Já no final de outubro, próximo à chegada a Roma, Goethe faz uma observação sobre o cotidiano do viajante: “Sinto agora a temeridade que é caminhar por estas terras, sem preparo ou companhia. As diferentes moedas, os vetturini (cocheiros), os preços, as pousadas ruins, tudo isso constitui uma amolação cotidiana, só podendo fazer com que se sinta assaz infeliz aquele que, como eu, viaja sozinho e pela primeira vez por este país, onde esperava encontrar prazer infindável. Contudo, eu nada mais queria do que ver este país, qualquer que fosse o custo; e ainda que me arrastem até Roma preso à roda de Íxion, não desejo me queixar”.

ROMA

A ansiedade para chegar à Cidade Eterna faz com que o escritor se apresse: em Bolonha, onde um criado bem informado conduziu-o “em disparada pelas ruas da cidade e por tantos palácios e igrejas” que ele mal teve tempo de anotar os lugares que visitou e se pergunta se lembrar-se-á de tudo o que viu. Comenta, encantado, que “... a arte é como a vida: quanto mais se avança por ela, mais ampla ela se faz”. Entretanto, se os seus olhos se fartaram com a beleza, Goethe, acrescentou à bagagem seis quilos de pedras (baritina), que fascinaram o mineralogista.

            A paixão do escritor pela Itália foi-lhe transmitida pelo pai, que ornamentara uma antessala com vistas de Roma e agora ele via o que já conhecia há tempos (pinturas, desenhos e gravuras) aonde quer que ele fosse: “tudo é como eu imaginava e tudo é novo”. Sobre suas ideias: “nenhum pensamento inteiramente novo me ocorreu, mas os velhos tornaram-se tão definidos, tão vivos, tão correntes, que poderiam passar por novos”. Em Roma, Goethe é recebido por um velho amigo, o pintor alemão Johann Heinrich Wilhelm Tischbein (1751-1829).

            De repente, Goethe deixa escapar outro motivo de sua pressa para chegar a Roma: as comemorações do dia de todos os santos (1ºde novembro). Como protestante, ele achava que, se os cristãos reverenciavam tanto cada santo em particular, nessa data houvesse uma grande festa para todos. “Como me iludi” – comenta. No dia seguinte (Finados) foi levado ao Palácio Quirinal onde o Papa celebrou missa em memória dos Mortos – o que não o agradou tanto quanto as obras de arte que pôde admirar longe da capela. Enfim, aos poucos, o escritor vai se socializando na cidade, perdendo-se pelas ruas em busca das belezas remanescentes da Antiguidade, visitando teatros, indo a jantares e fazendo pequenas viagens pelo entorno de Roma. Há um lado turístico, por assim dizer, nos movimentos dele pela cidade.

Não me estenderei sobre as mil aventuras que Goethe viveu durante uma estadia de quase três meses. Gostou tanto que teve sérias dúvidas se deveria ir a Nápoles, mas no dia 22 de fevereiro se pôs a caminho. Aproveita o trajeto para apreciar cada lugar por onde passa. Chega no dia 26 e, novamente, não esconde o impacto que a cidade lhe causa: “Perdoei a todos quantos perdem a cabeça em Nápoles, e lembrei-me comovido de meu querido pai, que preservou uma impressão indelével sobretudo das coisas que viu aqui e que hoje pude ver pela primeira vez”.

O Vesúvio atrai o mineralogista que se decepciona na primeira visita (2/03); retorna em 6 de março e depois no dia 20, quando o avisam de que ele está em atividade e dessa vez satisfaz sua curiosidade científica.  

 No dia 26 de março, Goethe embarca para Palermo, na Sicília, onde visitará várias cidades; entretanto, dessa etapa vale a pena cada linha de seus comentários sobre o que viu na propriedade do príncipe de Palagônia a leste de Palermo – único momento em que o viajante fica realmente indignado com o mau gosto – um castelo de horrores.   

        Enfim, o livro proporciona a possibilidade de uma viagem à Antiguidade e ao final da idade Média (a Idade Moderna começa a partir da Revolução Francesa) tendo como guia um homem extraordinário (esqueci de dizer que Goethe também era desenhista). Se fosse possível uma viagem no tempo e ele retornasse, reconheceria por certo as obras artísticas, mas dificilmente reconheceria as cidades por onde passou – Innsbruck (Áustria), Passo de Brenner (Itália), Bolzano, Trento, Verona, Vicenza, Pádua, Veneza, Bolonha, Perugia, Florença, Assis e... Roma. Nápoles e Sicília – Palermo, Catânia entre tantas outras.

"De que vale a contemplação sem a reflexão" – Goethe. 


Estudo dos perfis mediterrâneos feitos por Goethe em suas excursões por Roma e arredores. 






Viagem à Itália – 1786-1788, de J. W. Goethe, Companhia das Letras, 1999.



(Íxion, personagem da mitologia grega, que foi amarrado a uma roda e queimado por toda a eternidade por determinação de Zeus.)

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