quinta-feira, 15 de setembro de 2022

SEMANA POÉTICA

José de Ribamar Ferreira,  Ferreira Gullar, nasceu em São Luís do Maranhão, MA, em 10 de setembro de 1930, e faleceu no Rio de Janeiro, em 4 de dezembro de 2016. 

TEU CORPO


O teu corpo muda

independente de ti.

Não te pergunta

se deve engordar.

É um ser estranho

que tem o teu rosto

ri em teu riso

e goza com teu sexo.

Lhe dás de comer

e ele fica quieto.

Penteias-lhe os cabelos 

como se fossem teus.

Num relance, achas

que apenas estás

nesse corpo.

Mas como, se nele

nasceste e sem ele

não és?

Ao que tudo indica

tu és esse corpo

— que a cada dia

mais difere de ti.

E até já tens medo

de olhar no espelho:

lento como nuvem

o rosto que eras

vai virando outro.

E a erupção

Que te surge no queixo?

Vai sumir? alastrar-se

feito impingem, câncer?

Poderás detê-la

com Dermobenzol?

ou terás que chamar

o corpo de bombeiros?

Tocas o joelho:

tu és esse osso.

Olhas a mão:

tu és essa mão.

A forma sentada

de bruços na mesa

és tu.

Quem se senta és tu,

quem se move (leva

o cigarro à boca,

traga, bate a cinza)

és tu.

Mas quem morre?

Quem diz ao teu corpo — morre —

quem diz a ele — envelhece —

se não o desejas,

se queres continuar vivo e jovem

por infinitas manhãs?



Barulhos, 1997.

Ilustração: O maratonista, acervo do Museu Nacional Arqueológico, Atenas.

A Banheira (1886), óleo sobre tela de Edgar Degas (1834-1917).

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