Há dias para tudo. Hoje é o dia mundial do mágico. Atualmente, acho que todos somos
mágicos para sobreviver em mundo cada vez mais maluco – ou com mais malucos do
que o usual. É possível até que nem tenha aumentado tanto o número deles – só ganharam
mais visibilidade e influência. Mas voltando aos mágicos. Mandrake, personagem
de histórias em quadrinhos, é o único mágico que me ocorre quando o assunto é
levantado. Fez parte da minha infância e tinha uma namorada chamada Narda. Minha
tia Gel, lá pelos idos de 1950, comprava a revista e lia as histórias e eu via
os quadrinhos enquanto acompanhava a leitura. A primeira história de Mandrake,
criação de Lee Falk e desenho de Phil Davies, foi publicada em junho de 1934
nos Estados Unidos. Não sou fã de mágica.
terça-feira, 31 de janeiro de 2023
DIA DO MÁGICO
segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
CADEIRA DE BALANÇO
Em
casa havia duas cadeiras de balanço. Uma de vime ficava na área externa e outra
madeira e palhinha, na sala. Carlos Drummond de Andrade diz que cadeira de balanço “é móvel da tradição brasileira que não
fica mal em apartamento moderno. Favorece o repouso e estimula a contemplação
serena da vida, sem abolir o prazer do movimento”. Das casas grandes em que
vivi em Santos até a mudança para o apartamento em São Paulo em que moro,
sempre encontrei um espaço para a cadeira de palhinha de minha avó. Raramente a
uso, pois a coluna reclama, indiferente às razões que me levam até ela.
Na
minha infância, ela já era antiga. Imagino que deve beirar os cem anos. Nela
sentaram-se todas as pessoas importantes em minha vida, além daquelas que nem
cheguei a conhecer – o avô, uma tia que deixou uma marca tão forte na família
que é como se eu tivesse convivido com ela... A cadeira de palhinha ficava num
canto da sala – misto de sala de jantar e visita – ao lado do relógio cuco à
disposição da família e das visitas. Com o tempo, minha avó deu preferência à
cadeira de vime, onde lia as orações, o jornal e algum livro ou cochilava;
ouvia o rádio à tarde fazendo crochê e assistia à televisão à noite. Era uma
espécie de trono: em torno dela reuniam-se as amigas para longas conversas sobre
a vida, a política e muitas histórias. A imagem recorrente, entretanto, é a da
minha avó, acomodada em sua cadeira preferida, crochetando colchas, toalhas de
mesa, pertences para enfeitar a casa ou para presentear pessoas especiais.
Tudo tem história, mesmo quando não se tem um registro preciso. Caso das cadeiras de balanço que surgiram em meados do século XVIII, mas foi na Áustria que Michel Thonet (1796-1871) criou um design que conquistou o mundo: estrutura de madeira arqueada e encosto de palha de cana ou de folha de palmeira trançada. Passei toda a vida sem saber desses detalhes que não me tornam mais feliz, pois o que me faz mesmo feliz são as lembranças que a cadeira de balanço, hoje objeto de atração das raras visitas, me proporciona.
https://www.youtube.com/watch?v=hrqJkxQbPGM
A música para embalar esta lembrança, que tem um espaço especial em minha sala, é interpretada pela dupla sertaneja Sebastião Franco (Craveiro) e João Franco (Cravinho). Eles são irmãos, nascidos respectivamente em 1931 e 1939, em Pederneiras, município de São Paulo. Composição de José Caetano Erba (1937-2009), também de Pederneiras.
domingo, 29 de janeiro de 2023
JANEIRO DE 2023
Se
você falar de São Paulo para alguém de fora, a primeira imagem que o forasteiro
fará é de trânsito congestionado, pessoas apressadas, perdendo um belo final de
tarde de verão. Sampa sempre surpreende. Quinta-feira, 17 horas. Praça
Alexandre de Gusmão – acesso pela Alameda Santos (paralela à avenida Paulista) –
Cerqueira César.
sábado, 28 de janeiro de 2023
AGRURAS JORNALÍSTICAS
O editor do jornal (anos 1970) criou uma coluna sobre bairros, abordando principalmente os problemas e as reclamações da população – a princípio de Santos e depois de São Vicente também. Tarefa que atribuiu a mim. Eu escolhia o bairro onde levantava problemas, ouvia população e cobrava do poder público uma resposta. As reclamações se concentravam principalmente nas áreas mais novas da cidade – Zona Noroeste ou ainda pouco habitadas, como a Ponta da Praia que, pasmem! – ainda era um matagal nos anos de 1970.
Conheci quase todos os presidentes de sociedades de amigos de bairros, muitos dos quais tinham algum vínculo com políticos e eram muito criticados pelos moradores. As queixas não mudavam muito: ruas esburacadas, esgoto a céu aberto, terrenos abandonados, lixo, ratos, falta de iluminação pública etc. e tal. Uma das reclamações recorrentes era a infestação de ratos provocada pela falta de limpeza de valas, terrenos abandonados e lixo acumulado a céu aberto. Havia quase sempre indignadas senhoras se queixando, alarmadas com a dimensão do problema. (nos depois a rataria até se expandiu para os jardins da praia, o que motivou o prefeito Oswaldo Justo (1923-2003) a requisitar um batalhão de gatos para enfrentar o problema que, pelo menos, lhe rendeu publicidade.
O trabalho tinha um grande apelo popular – havia uma senhora que mobilizava as moradoras do bairro para fazer reivindicações na redação. Houve um tempo em que o secretário de Obras chamava a reportagem para acompanhar visitas de inspeção a alguma região. Ia tudo muito bem até que um dia, em visita à redação, nosso colega e amigo Perito ao me ver abriu os braços e todo sorridente gritou: “Dona Ratazana! Quanto tempo!” Muito meigo! Não fiquei feliz, claro, mas relevei em nome da amizade. (Mais tarde me tornei "rata" de biblioteca.) Outra querida amiga, Elaine – que nas poucas horas vagas adorava pregar peças – lançou en petit comité minha candidatura à vereadora e até fez umas cédulas (naquele tempo tinha isso) em que eu aparecia como Hilda Amarante (sobrenome do coronel secretário de Serviços Públicos). Não gostei da ideia, o que não me impediu de guardar uma dessas relíquias. Elaine, infelizmente, faleceu ano passado.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2023
SAUDADE DE SANTOS
Santos comemora 477 anos.
Uma garota...
Saudade da cidade, do jardim e da praia.
terça-feira, 24 de janeiro de 2023
UMA CAMINHADA ESPECIAL
Hoje,
o passeio é com o jornalista Frederico Branco (1927-2001), um dos ótimos
cronistas paulistanos. Creio que entenderia a caminhada porque foi um bom
andarilho desde criança. Começamos pela região da Paulista, pois em uma de suas
crônicas lembra-se do fantasma que assombrava uma casa ao lado do Parque
Trianon –, isso na época em que o parque ocupava a área onde hoje se situa o
MASP, que existia apenas nos sonhos de Chateaubriand e de Lina. Olho em torno e
observo que a única casa que sobrou naquele quadrilátero é sede de um bar
famoso e fico imaginando se o fantasma se refugiou ali... Com Branco aprendi
que a arborização da Rua Bela Cintra vai comemorar 100 anos em 2024 – ano em
que recebeu calçamento. O jornalista, que morava nas imediações, baseia a
informação na obra de Alcântara Machado, outro cronista paulista.
Branco fez um roteiro dos bares da sua vida e
dos amigos com quem proseava – Cervejaria Franciscano (Líbero Badaró), Picadilly
(Marconi), Barzinho do Museu (Sete de Abril), Harmonia (Xavier de Toledo), Paribar
(Praça Dom José Gaspar), Jaraguá (Martins Fontes), Clubinho (porão do Instituto
dos Arquitetos). “E assim, íamos de mesa em mesa de bar” – conclui ele. Eu mal me lembro do primeiro bar que visitei
ao chegar a Sampa: o Riviera (Paulista com Consolação).
O Centro Histórico não foi esquecido. Eu, por exemplo, garanto ao cronista em dúvida que a Rua Três de Dezembro – mero quarteirão entre a Boa Vista e a XV de Novembro – ainda existe. Ali encontram-se três belos prédios – um deles é o banco alemão na esquina com a rua XV.
O jornalista me proporciona uma excursão pelo Edifício Martinelli. “(...) uma das primeiras
palavras que consegui ler por inteiro ficava encarapitada em seu topo, entre as
nuvens. Era ODOL” – conta ele. Já crescido, Frederico Branco começou a explorar
o Martinelli pelo Cineteatro Rosário, no térreo; no subsolo, funcionava um dos
maiores salões de sinuca e bilhar da cidade e que ele frequentou. “Era uma
imensa e encardida caverna, malcheirosa, com dezenas de mesas maltratadas,
desniveladas e em geral cobertas de poeira grossa entranhada no pano verde.” Já
repórter do CORREIO PAULISTANO, ele desbravou a intimidade do prédio que foi o
orgulho de Giuseppe Martinelli (1870-1946) e é um dos cartões postais da
cidade. “Havia literalmente tudo nesse mundo vertical ligado pelos elevadores:
dezenas de escolas disto e daquilo, de idiomas à estenografia, antros de
carteado que funcionavam dia e noite, respeitáveis escritórios de profissionais
liberais, clínicas nada reputáveis, academias de ginástica e de outras artes e
artimanhas, pedicuros, arapucas diversas, dancings em que o menos que se
fazia era dançar, tocas de agiotas, domicílios de famílias bem ou mal
constituídas (...) Era uma reprodução vertical do mundo dentro do mundo da
cidade.”
A prefeitura desapropriou o prédio em
1975, reformou o imóvel que atualmente abriga as Secretarias Municipais de
Habitação e Planejamento, as empresas EMURB e COHAB-SP, além de
estabelecimentos comerciais no piso térreo.
Fim do passeio. Para
continuar embarquem no delicioso livro “Postais Paulistas”, de Frederico
Branco. São Paulo: Editora Maltese, 1993.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2023
ARRANHA-CÉU
Uma história de amor.
ARRANHA-CÉU
Sílvio Caldas e Orestes Barbosa
Cansei
de esperar por ela
Toda noite na janela
Vendo a cidade a luzir.
Nestes
delírios nervosos
Dos anúncios luminosos
Que são a vida a mentir,
E
cada vez que subia,
O elevador não trazia
Essa mulher. Maldição.
E
quando lento gemia
O elevador que descia,
Subia o meu coração.
Cansei
de olhar os reclames
E disse ao peito não ames
Que o teu amor não te quer.
Descansa,
feche a vidraça,
Esquece aquela desgraça,
Esquece aquela mulher.
Deitei-me
então sobre o peito,
Vieste em sonho ao meu leito
E eu acordei, que aflição.
Pensando
que te abraçava,
Alucinado apertava
Eu mesmo meu coração.
PAISAGEM URBANA
“Assim, onde quer que um homem esteja, encontrará algo que o agrade e o acalme. Na cidade, verá homens e mulheres de rostos agradáveis, lindas flores em uma janela, ouvirá um pássaro numa gaiola cantando na esquina da rua mais sombria. No interior, não há lugar sem encantos – basta procurá-lo no estado de espírito adequado, e certamente o encontrará.” Robert Louis Stevenson (1850-1894).
domingo, 22 de janeiro de 2023
OS MUROS DA CIDADE
Muros
protetores, ameaçadores, irrelevantes, feios, altos... Eles se espalham pela
cidade à medida que aumenta o número de condomínios, atraindo artistas de todos
os tipos ou meros pichadores especializados em degradar a cidade – uns poucos foram
transformados em um jardim vertical, refrescantes e coloridos. Há quem não
resista à tentação de deixar sua mensagem de passagem, criativas, engraçadas ou
simplesmente um desabafo anônimo. Na rua, ao pedestre cabe observá-los, imaginando
o que escondem e pensando no que revelam. Gosto de ver copas de árvores que superam
a altura dos muros e parecem ansiar pela liberdade das ruas.
sábado, 21 de janeiro de 2023
SONETO SENTIMENTAL
SONETO SENTIMENTAL À CIDADE DE SÃO PAULO
Ó cidade tão lírica e tão fria!
Mercenária, que importa - basta! - importa
Que à noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agonia
Não te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e fugidia.
Sinto como a tua íris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal há se o lar onde se espera
Traz saudade de alguma Baviera
Se a poesia é tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza?
Vinicius de Moraes, “Poemas esparsos”, Rio de Janeiro, 2008.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2023
ONDE É QUE MORA A ALEGRIA?
“Onde é que mora a amizade,
onde é que mora a alegria?
É no Largo de São Francisco,
na velha Academia”
Quadrinha
dos alunos da Faculdade Direito do Largo de São Francisco, criada por decreto
imperial em 11 de agosto de 1827, junto com a Faculdade de Direito de Recife. A
instalação do curso jurídico foi decisiva para o futuro de São Paulo. “A cidade
(...) ganhou um novo sopro de vida. A Academia de Direito, por modesta que
fosse, viria a revitalizar-lhe a economia e trazer algum movimento às ruas”,
afirma Roberto Pompeu de Toledo em sua obra sobre São Paulo. O curso atraiu
estudantes de várias partes do país, muitos dos quais se instalavam em repúblicas
e são famosas as estudantadas, que promoviam. Mais importante o curso gerou
atividades culturais inexistentes na cidade. No mesmo ano em que foi criada a
Academia – nome que recebeu apenas em 1831 – começou a circular o Farol
Paulistano, primeiro jornal impresso da cidade que até então contava com O
Paulista, um bissemanário manuscrito. Ali, no prédio do antigo convento de Santo Antônio, no Largo
de São Francisco, onde se instalou o curso jurídico, entre uma aula e outra,
formou-se uma plêiade de poetas, escritores e jornalistas brasileiros, sem
contar advogados e políticos que tiveram importante papel na história do país.
Olavo
Bilac (1865-1918), poeta e jornalista carioca, passou por São Paulo no final do
século XIX a caminho de Poços de Caldas, e numa crônica lembrou da Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco em 1887, onde passou um ano “a fingir que
estudava retórica”, época em que “a Pauliceia era uma calada cidade de estudo e
troça”.
“Na
ponte Grande, no fluxo das águas claras, ainda vibrava o eco abafado da canção
boêmia de Castro Alves: ‘Nini! Tu és o cache-nez desta alma!/ Ó
Pauliceia! Ó ponte Grande! Ó Glória!’.”
“Quando
caía a noite, começava a peregrinação de ‘república’ em república’, de café em
café, discutindo tudo, resolvendo todos os altos problemas da moral, da
filosofia, da religião, até a hora da ceiota ruidosa. Depois, o vagamundeio
pelas ruas mortas sob a garoa fina até o romper do dia, sem esquecer
(lembras-te, Paulo? Lembras-te, Pujol? Lembras-te, Machadinho?) a visita ao
‘eco da Academia’, um pobre eco mofino que já estava rouco de tanto repetir
blasfêmias e barbaridades... Tudo isso desapareceu, levado na enxurrada pela
pachorra dos anos.”
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
SÃO PAULO – 469 ANOS
No próximo
dia 25, a cidade de São Paulo vai comemorar 469 anos. Uma garota que padece de
gigantismo: ao completar 469 anos tem 12 milhões de habitantes, o que lhe dá o
título de cidade mais populosa do Brasil e da América do Sul e a oitava do
planeta. A região metropolitana, que congrega 39 municípios, tem 22 milhões de habitantes,
sendo a décima mais populosa do mundo. Apesar de ser um município com bom
Índice de Desenvolvimento Humano (0,805), problemas não lhe faltam,
especialmente, sociais – cerca de 11% da população vivem em favelas. A maior
favela da cidade tem cerca de 200 mil moradores. São Paulo pode não ser uma
cidade maravilhosa como o Rio de Janeiro, mas é constituída de lugares muito
bonitos como o Horto Florestal, o Parque da Luz, Jardim Botânico, Parque do Ibirapuera,
Parque da Independência, ruas arborizadas. Não faltam teatros, cinemas, museus,
centros culturais, pinacotecas, bibliotecas, galerias de arte, prédios e
monumentos históricos para conhecer e passar ótimos momentos. Atrações não
faltam e a gastronomia variadíssima atende a todos os gostos, bolsos e bolsas.
A cidade dispõe de um excelente serviço de transportes públicos (ônibus, metrô,
VLT, trem e táxis).
Parabéns,
SÃO PAULO.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2023
GINA SE FOI
Ah! A quantos filmes
maravilhosos assistimos no decorrer da vida! Atores excelentes, outros nem
tanto; uns belíssimos, outros mais ou menos, mas uma coisa é certa: deixaram ótimas
lembranças. À medida que o tempo passa, entretanto, o elenco vai diminuindo.
Assim, vão se despedindo deste palco artistas que nos fizeram, rir, chorar,
causaram medo ou nos indignaram... Hoje foi a vez de Gina Lollobrigida (1927-2023),
a bela italiana que, após deixar o cinema, se tornou fotógrafa e escultora.
Quando li a notícia, procurei lembrar-me dos
filmes a que assisti com ela – nenhum na época do lançamento, pois ainda era
criança. Dois foram em sessão da tarde ou da madrugada de algum canal de tv e outro
num festival de filmes antigos do Cine Teatro Guarani em Santos. O primeiro que
me veio à lembrança foi “Trapézio” (1956), mas o problema é que me lembro dele por
causa de Burt Lancaster (1913-1994), um extraordinário ator americano,
protagonista de obras excelentes. Outro foi “Salomão e a rainha de Sabá” (1951),
que Gina Lollobrigida protagonizou com Yul Brynner (1920-1985). Fiquei em
dúvida se “Pão, Amor e fantasia” (1954) era estrelado por ela ou Sophia Loren,
tive que pesquisar e, confesso, não tenho a menor ideia do enredo. O título,
que sempre achei muito bom, não esqueci e até uso em certas situações.
sábado, 14 de janeiro de 2023
PASSEIO PELA LIBERDADE
Depois
de tanta chuva, bate uma preguiça de andar por aí. Levar guarda-chuva, nem
pensar. As nuvens ficam navegando para lá e para cá. Umas com jeito de algodão
e outras ameaçadoras. O sol tenta furar a barreira com pouco sucesso. Ano novo,
novo caminho, agora pela Liberdade. As
placas com caracteres orientais me dão a falsa impressão de que estou em alguma
parte do Oriente sem fronteiras – o bairro teve início com a colônia japonesa,
mas atualmente reúne coreanos e chineses. O Bradesco caprichou na decoração da
fachada. O bairro também guarda muitos elementos de história colonial paulista
– como testemunham a igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados (1891) e a
capela Nossa Senhora dos Aflitos (1775).
Após a praça a avenida se bifurca:
final da rua Rodrigo Silva, onde uma placa me atrai e vou visitar o sebo João
Batista, muito bem organizado. Todo mundo sabe que a urbanização da cidade é
bem desajustada: mal caminho cem metros e estou na praça Carlos Gomes, que tem
todo jeito de uma rua paralela à Rodrigo Silva. Entre o arvoredo, vislumbro um
prédio que me chama atenção e descubro o Cine Joia, inaugurado em 1952 com
capacidade para 1.100 pessoas. Até meados de 1970 exibia basicamente filmes
japoneses; entrou em decadência e foi fechado. Em 2011 foi adquirido por um
empresário argentino que abriu um novo Cine Joia, que apesar do nome, é uma
casa noturna de sucesso, pelo menos foi o que me contaram.
Hora de almoço. Caminhada chega ao fim.
Ônibus quase vazio. Barulho só do trânsito lá fora. Cada um cuidando da própria vida ou consultando o celular. O cobrador cochila. Toca um telefone. O idoso ao lado se mexe, pesca o aparelho no bolso e atende discretamente. Ele não gasta palavras. Diz “sim”, “não” e “vivo”. Deduzo que seja telemarketing. Longa pausa ouvindo o interlocutor. Eu teria dispensado a ligação logo após a identificação da chamada. Enfim, ele indaga com sarcasmo: “é de graça?” e deve ter ouvido um “claro que não” porque responde secamente “então não interessa” e desliga. O cobrador, que acordara com o toque do telefone, inicia uma conversa com o idoso sobre essas chamadas inoportunas. O motorista também tem o que dizer sobre o assunto. Felizmente chego ao meu destino. Fotos: Hilda Araújo.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2023
SERRA DA SAUDADE
Foi em
Minas Gerais que alguém deu ao acidente geográfico o nome de Serra da Saudade,
sabe-se lá por quê. Mas que o nome é bonito, é. Lá pelos idos do século XVIII
várias pessoas já haviam se instalado no sopé da serra, mas duas propriedades
se destacavam: a fazenda Rancho, de Pedro Félix, e a Serra da Saudade, de
Miguel Furtado Mendonça. Essa é a origem de Serra da Saudade, município com uma
área de 335,7 km² em que vivem 771 serrano-saudalenses,
população estimada de 2021, número que lhe dá o título de município brasileiro
com menor população do país. Situada a 270 km de Belo Horizonte, a principal
atividade econômica da cidade, que tem um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) médio, é a
agropecuária.
Se a origem da cidade são as
fazendas, a construção do trecho da
Estrada de Ferro que ligaria Dores do Indaiá a Paracatu em 1922 deu o impulso para o crescimento do
vilarejo. O proprietário da fazenda Rancho, na época, dou os alqueires
necessários para a construção da estação ferroviária – com a condição de que
ela se chamasse Melo Viana*. Inaugurada a estação em 1925, foram construídas as
casas de funcionários da ferrovia e de posseiros. O ditador Getúlio Vargas
visitou Serra da Saudade quando teve início
a construção da rodovia Belo Horizonte – Uberaba, atravessando o arraial de
Melo Viana – obra interrompida em consequência do racionamento de petróleo
causado pela II Guerra Mundial.
Em
1948, foi criado o distrito de Comendador Viana (ex-povoado de Estação Melo
Viana), subordinado ao município de Dores do Indaiá, e em 1962 o distrito foi
elevado à categoria de município com o nome de Serra da Saudade. A ferrovia,
considerada antieconômica, foi desativada em 1969 – restou a estação para
lembrar essa época, assim como a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, o prédio da
primeira escola de Arraial Viana e a antiga casa de beneficiamento de arroz
entre outros pontos de interesse.
*Fernando de Melo Viana (1878-1954) – político
mineiro, foi presidente (governador) de Minas entre 1924 e 1926 e
vice-presidente do Brasil entre 1926 e 1930.
Fotos: site da Prefeitura de Serra da Saudade.
domingo, 8 de janeiro de 2023
ELVIS NÃO MORREU
Elvis Presley só teve seu reinado abalado quando surgiram os quatro garotos do outro lado do Atlântico que conquistaram a América e o mundo, claro, mas isso é outra história. A residência do cantor em Graceland (Menphis) recebe cerca de 600 mil visitantes por ano! Entre os adeptos das várias teorias da conspiração há aqueles que acreditam que Elvis cansou da vida de artista, mudou de nome e de endereço, trocando os Estados Unidos pelo Brasil ou Argentina. Um ótimo cantor, ator razoável e uma figura inesquecível. Morreu há quase 46 anos e continua sendo um grande prazer ouvi-lo.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
"CINISMO ETÁRIO"
CINISMO ETÁRIO
Quando fizer
20 anos
(pensava)
– poderei muito.
Quando fizer
30 anos
(pensava)
– conhecerei o mundo.
Quando fizer 40 anos
(pensava)
– estarei maduro.
Faltam duas,
três décadas
e não me
sinto ainda adulto.
Ao chegar
aos 60, contudo,
terei
memórias, serei mito,
e aos 70 farei discursos
fingindo a
calma que só têm
os muito
aflitos.
Mentirei,
mentirei, mentirei
sem
testemunhas, sobretudo,
se Deus me liquidar os inimigos.
Então, intangível,
acreditarei
no que
imaginam que fiz
pensando que
a verdade
é o que se
ouve e se diz.
Affonso Romano de Sant’Anna
quinta-feira, 5 de janeiro de 2023
CAMINHOS PAULISTANOS
Nas
minhas andanças, já encontrei sapatos no caminho, um galo brigão, cães simpáticos – outros nem tanto,
passarinhos atrevidos, árvores maravilhosas, calçadas forradas de pétalas de
flores, muitos buracos e – o que é pior – borboletas ameaçadoras das quais fujo
de medo e sem pejo. Outro dia lá estava a brincadeira infantil desenhada na calçada,
cheia de promessas para adultos porque criança quer só saltar num pé de casinha
em casinha, às vezes com os dois, e chegar do outro lado do diagrama... Eu
começaria o jogo com a Dignidade, todo o resto fica mais fácil. Viva a Amarelinha!
quarta-feira, 4 de janeiro de 2023
QUATRO CASAS PARA VISITAR
Há muitas casas em São Paulo que merecem uma visita. Os motivos podem ser variados: a beleza e a localização do imóvel, o acervo artístico e histórico reunido pelos proprietários ou a triste história de vida de uma família rica do início do século passado que exigiu a alteração da residência. Aqui estão quatro sugestões.
A FUNDAÇÃO MARIA LUÍSA E OSCAR AMERICANO, no Morumbi, merece uma visita sem pressa. O projeto da casa, que parece pairar sobre o solo, é do arquiteto Oswaldo Bratke e o parque foi idealizado pelo paisagista Otávio Augusto Teixeira Mendes. São 75 mil m² de beleza – artes plásticas e natureza preservada na avenida Morumbi 4.077. Engenheiro e empresário, Oscar Americano (1908-1974) foi casado com Maria Luísa Ferraz Americano de Caldas e juntos eles se dedicaram a colecionar obras de arte – pinturas, móveis, tapeçaria e prataria. Quando ela faleceu em 1972, ele reformulou a casa em que viveram por 20 anos e criou a fundação para abrigar o acervo artístico. Desde 1980 a entidade é aberta ao público e constitui um dos espaços culturais e de lazer importantes da cidade de São Paulo. Para o salão de chá é preciso fazer reserva. Visita paga. Conferir preço pelo telefone 11-3742-077. Reabre em 10 de janeiro próximo. Foto: Hilda Araújo.
Aproveitando a estada no Morumbi, vale a pena visitar a CASA DE VIDRO da arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) na rua Gal. Almério de Moura, 200. Projetada por Lina, a casa foi erguida na área da antiga Fazenda de Chá da Família Muller Carioba e foi uma das primeiras da região ainda bastante arborizada na época. Concluída em 1951, a casa foi o lar do casal Lina e Pietro Maria Bardi (1900-1999). Em 1987 foi tombada e sede do Instituto Bardi. Aberta à visitação de quinta a sábado das 10 às 11h30 e das 14h às 15h30. Fone: 11-3744 9902.
(Este passeio pode incluir visita à Museu Brasileiro
de Escultura e Ecologia e ao Museu da Imagem e Som – entidades que ficam em
frente à Fundação.)
DONA
YAYA era o apelido de Sebastiana de Mello Freire, que nasceu
em 21 de janeiro de 1887. Era filha de Josefina Augusta de Almeida Mello e
Manoel de Almeida Mello Freire, senador estadual e deputado constituinte. As
desditas da família de Sebastiana começaram cedo. O casal teve outros três
filhos. Uma das meninas morreu aos 3 anos, no berço, asfixiada pela ingestão de
um objeto. A outra faleceu aos 13 anos, vítima de tétano. Quando Sebastiana
estava com 12 anos, os pais adoeceram e morreram no intervalo de dois dias em
locais diferentes e sem que soubessem da doença um do outro. Albuquerque Lins,
que mais tarde viria ser presidente do Estado de São Paulo, tornou-se tutor de
Sebastiana e de Manuel de Almeida Mello Freire Junior, o irmão de 17 anos,
herdeiros de uma grande fortuna. No início dos anos vinte, a jovem foi morar na
casa da Rua Major Diogo. A doença mental se manifestou quando ela estava com 32
anos e para evitar que ela se machucasse durante os acessos de fúria, muitas
adaptações foram feitas na casa. Dona Yayá morreu em 1961 aos 74 anos – 40 dos
quais viveu mergulhada na loucura e reclusa no casarão da Bela Vista. O imóvel
foi incorporado à Universidade São Paulo em 1969 e atualmente é sede do Centro de Preservação
Cultural da USP. Maj. Diogo, 353 – Bela Vista. Consulta sobre protocolo de
segurança pelo telefone 11-2648-1501.
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
PROGRAMA DE FÉRIAS (2)
São Paulo tem uma grande e ótima variedade de museus e centros
culturais. Museus para todos os públicos – como os amantes de artes plásticas e
da língua portuguesa, apreciadores de boas histórias, sem esquecer o público
religioso. Aqui três sugestões para explorar três espaços privilegiados da
cidade.
O primeiro contato dos estudantes paulistas com um museu costuma
acontecer ali no alto do Ipiranga, onde D. Pedro proclamou a Independência do
Brasil. O Museu Paulista da USP, no Ipiranga, é uma instituição que permite ao
visitante ir da celebração da Independência à consciência da nacionalidade,
percorrendo os diversos períodos da formação da sociedade paulista e
brasileira. Após um longo período fechado para restauro,
está em pleno funcionamento. É oportunidade para conhecer o belo Parque da
Independência, com o jardim de estilo francês, o riacho do Ipiranga e o
Monumento, onde se encontram os restos mortais do Imperador D. Pedro I e de
suas esposas,
as imperatrizes Leopoldina de Habsburgo e D. Amélia de Leuchtenberg.
Ótima
oportunidade para visitar o Museu de Zoologia da USP, que fica atrás do Museu Paulista.
A garotada vai adorar, afinal há o esqueleto de um dinossauro, um urso muito
simpático e um chimpanzé com ares de filósofo, além de uma infinidade (exagero,
claro) de insetos entre muitos outros animais nativos e exóticos em exposição.
O
Centro Histórico é uma viagem pelo tempo, pois ali misturam-se o local
da fundação de São Paulo, igrejas centenárias, belos prédios assinados por
Ramos de Azevedo, o grande arquiteto de São Paulo, e por Oscar Niemeyer, em
princípio de carreira. Assim, esse passeio sem pressa pode começar pelo Pátio
do Colégio – onde há a igreja são José de Anchieta, o Museu Anchieta, a capela
e o conjunto arquitetônico da Justiça assinado pelo arquiteto Ramos de Azevedo.
No centro, há o monumento Glória
imortal dos fundadores de São Paulo (1925), de autoria do artista Amadeo
Zani. Um pouco adiante, na Rua Roberto Simonsen, encontram-se a Primeira Casa
(museu da cidade São Paulo, a Casa da Marquesa de Santos e o Beco do Pinto.
É
obrigatória uma visita à Catedral Metropolitana, na Praça da Sé, inclusive a
cripta, onde estão as câmaras mortuárias dos arcebispos de São Paulo e de três
personagens históricos importantes: o Cacique Tibiriçá, um dos fundadores da
cidade, frei Bartolomeu de Gusmão (1685-1729), santista inventor da passarola
(primeiro objeto mais pesado do que o ar a voar) e o Padre Diogo Feijó
(1784-1843).
Hora
de enveredar pelo Triângulo – trecho compreendido entre as Ruas Direita, XV de
Novembro e São Bento em que a cidade se desenvolveu até início do século
passado – e adjacências. Atrações principais: Centro Cultural Banco do Brasil
(fecha às terças-feiras); visitas com agendamento: Farol Santander, Edifício
Martinelli e Edifício Matarazzo (Prefeitura). Pausa na Casa Godinho, mercearia
centenária situada no prédio Sampaio Moreira) ou durante a visita ao Mosteiro
de S. Bento, onde há uma padaria especial com bolos, pães, geleias, biscoitos cujas receitas são
seculares.
Pátio do Colégio
Mosteiro de S. Bento – Largo de
S. Bento, s/n.
Centro Cultural Banco do Brasil –
R. Álvares Penteado,112.
Farol Santander – R. João
Brícola, 24.
Edifício Martinelli – R. S.
Bento, 405.
Edifício Matarazzo (Prefeitura) –
Viaduto do Chá, 18.
O
Bom Retiro é um bairro privilegiado: além de grande centro comercial
varejista e atacadista, concentra belos monumentos históricos e importantes
atrações culturais: Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu da Língua
Portuguesa, Museu de Arte Sacra. Com direito a uma pausa no Mercado da
Cantareira para almoçar, fazer um lanche ou conhecer o espaço (arquiteto Ramos
de Azevedo) antes de atravessar a ponte sobre o rio Tamanduateí para conhecer o
Palácio das Indústrias, onde está instalado o Museu Catavento. A todos esses
lugares pode-se ir a pé ou de metrô a partir das estações Sé, Luz e Tiradentes.
Pinacoteca do Estado de São Paulo
– Praça da Luz, 2.
Museu da Língua Portuguesa –
Praça da Luz, s/n.
Museu de Arte Sacra – Av.
Tiradentes, 186.
Mercado da Cantareira – R. da Cantareira,
306.
Museu Catavento Palácio das
Indústrias – Av. Mercúrio, s/n.
A
quarta sugestão: avenida Paulista. Não faltam atrações na região da avenida
Paulista (Cerqueira César), lugar ideal para caminhar todos os dias ou
pedalar aos domingos. Há três estações de metrô (linha Verde). A partir do
início da avenida há os jardins da Casa das Rosas que está fechada para
restauro, Japan House, Itaú Cultural, Centro Cultural FIESP/SESI
(funciona de quarta a domingo), SESC Paulista, onde há um mirante no 17º andar,
Museu de Arte de São Paulo – MASP (grátis às terças-feiras) e o Instituto
Moreira Salles.
Casa das Rosas – Av. Paulista,
37.
Japan House – Av. Paulista, 52.
Itaú Cultural – Av. Paulista,
Itaú Cultural, 149.
Centro Cultural FIESP/SESI – Av.
Paulista, 1313.
Museu de Arte de São Paulo – Av.
Paulista, 1578.
Instituto Moreira Salles– Av.
Paulista, 2424.
Há
muitas obras de arte ao longo do percurso como os painéis do Hospital Santa
Catarina, o painel de Clóvis Graciano no Edifício Nações Unidas (nº 648); esculturas como o Homem Aramado, de autor
desconhecido, na equina da rua Teixeira da Silva, ou a de Tomie Ohtake em
frente ao Citi Bank (nº 1111), onde também há um trabalho de Franz Krajcberg
enfeitando a parede do prédio.
Comer
não é problema, problema mesmo é escolher o local. Há dois shoppings para quem
gosta: Shopping Center 3 e o Shopping Cidade de São Paulo. Enfim, a Paulista é
um programa e muito especial.