sábado, 14 de janeiro de 2023

PASSEIO PELA LIBERDADE

 

Depois de tanta chuva, bate uma preguiça de andar por aí. Levar guarda-chuva, nem pensar. As nuvens ficam navegando para lá e para cá. Umas com jeito de algodão e outras ameaçadoras. O sol tenta furar a barreira com pouco sucesso. Ano novo, novo caminho, agora pela Liberdade. As placas com caracteres orientais me dão a falsa impressão de que estou em alguma parte do Oriente sem fronteiras – o bairro teve início com a colônia japonesa, mas atualmente reúne coreanos e chineses. O Bradesco caprichou na decoração da fachada. O bairro também guarda muitos elementos de história colonial paulista – como testemunham a igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados (1891) e a capela Nossa Senhora dos Aflitos (1775).

            Após a praça a avenida se bifurca: final da rua Rodrigo Silva, onde uma placa me atrai e vou visitar o sebo João Batista, muito bem organizado. Todo mundo sabe que a urbanização da cidade é bem desajustada: mal caminho cem metros e estou na praça Carlos Gomes, que tem todo jeito de uma rua paralela à Rodrigo Silva. Entre o arvoredo, vislumbro um prédio que me chama atenção e descubro o Cine Joia, inaugurado em 1952 com capacidade para 1.100 pessoas. Até meados de 1970 exibia basicamente filmes japoneses; entrou em decadência e foi fechado. Em 2011 foi adquirido por um empresário argentino que abriu um novo Cine Joia, que apesar do nome, é uma casa noturna de sucesso, pelo menos foi o que me contaram.

Um senhor, sentado na mureta da praça, me pergunta se vai chover. Respondo que provavelmente mais tarde. Ele diz que está fazendo hora para um compromisso. Desejo um bom dia e continuo em direção à Praça João Mendes. Mais uma vez a beleza de um prédio me faz parar: é a sede do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, o que me remete a Santos, onde ao lado de casa havia uma entidade esotérica. A entidade foi criada em 1909, o prédio (projeto do arquiteto Gilberto Gullo), inaugurado em 1925 e tombado em 2010.

 Hora de almoço. Caminhada chega ao fim.

Ônibus quase vazio. Barulho só do trânsito lá fora. Cada um cuidando da própria vida ou consultando o celular. O cobrador cochila. Toca um telefone. O idoso ao lado se mexe, pesca o aparelho no bolso e atende discretamente. Ele não gasta palavras. Diz “sim”, “não” e “vivo”. Deduzo que seja telemarketing. Longa pausa ouvindo o interlocutor. Eu teria dispensado a ligação logo após a identificação da chamada. Enfim, ele indaga com sarcasmo: “é de graça?” e deve ter ouvido um “claro que não” porque responde secamente “então não interessa” e desliga. O cobrador, que acordara com o toque do telefone, inicia uma conversa com o idoso sobre essas chamadas inoportunas. O motorista também tem o que dizer sobre o assunto. Felizmente chego ao meu destino. Fotos: Hilda Araújo.

Santa Cruz das Almas dos Enforcados (1891).

Capela Nossa Senhora dos Aflitos (1775).


Nenhum comentário: