No
final do século XVIII, certo Æneas Anderson participou da viagem do embaixador
britânico para a China e fez um detalhado relato sobre o Rio de Janeiro, onde a
esquadra aportou para reabastecimento. Na ocasião, o Vice-rei era o conde de
Rezende (1790-1801). Logo no início, o visitante fala de um rio ao se referir
ao Porto. Duas observações bem
interessantes de Anderson: a limpeza da cidade e a concentração de
profissionais da mesma área em uma mesma rua. Em São Paulo, ainda podemos
observar esse costume de ruas “especializadas”. Roupas, na José Paulino,
luminárias na Consolação, eletrônicos na Santa Ifigênia, instrumentos musicais
na Teodoro Sampaio etc.
“Do rio a
vista que o local oferece é encantadora, consistindo de uma bela cadeia de
montes cobertos de florestas cujos vales os transpassam, havendo neles
majestosas quintas, proporcionando, uma visão de, ao mesmo tempo, elegância, riqueza
e beleza.
[...]
A cidade,
que é por alguns chamada de São Sebastião e por outros de Rio Janeiro, fica do
lado oeste do porto que tem esse mesmo último nome, numa localidade de baixa
altura e quase que cercada por montes que, por retardarem a circulação do ar,
fazem do lugar bastante danoso à constituição dos europeus. Seu tamanho é
expressivo, tendo de leste a oeste cerca de quatro milhas em comprimento, e
cerca de duas milhas de amplitude do norte para o sul. As ruas são, pela falta
de praças, regulares e uniformes, cruzando-se em ângulos retos: são bem
pavimentadas, repletas de lojas de toda ordem, além de compostas por casas
igualmente bem construídas e adaptadas ao clima. No centro da cidade, frente à
praia, fica o Palácio do Vice-rei: trata-se de uma construção grande, comprida
e estreita, sem atrativos externos, mas contendo uma sucessão de aposentos
nobres e espaçosos. Esse prédio tem apenas dois andares, sendo o de baixo
designado aos funcionários domésticos e de menor categoria, e no de cima ficam
os aposentos do Vice-rei; é construído de pedra áspera, rebocado com cal e
coberto por telhas. A capela do Vice-rei é um edifício cuidado, perto do
palácio, mas separado dele. As ruas são não só espaçosas apropriadas, mas
também notáveis pela limpeza, muitas delas contendo uma variedade de lojas e
depósitos que são dignos de cidades da Europa. Há um costume aqui que deveria
ser imitado em todos os lugares de grande transação comercial, que é o de todas
as pessoas da mesma profissão ocuparem a mesma rua, ou a mesma área; raramente
sabe-se de alguma exceção.
Arcos da Lapa: obra de 1723. |
A
noroeste da cidade há um aqueduto estupendo que é um objeto de incomum
curiosidade. Tem a forma de uma ponte, tem oitenta arcos e, ao menos em algumas
partes, tem cento e cinquenta pés de altura, podendo ser visto de diferentes
pontos de vista, o que causa um efeito peculiar, chegando aos poucos acima das
maiores construções da cidade. Essa imensa cadeia de arcos estende-se ao longo
de um vale e une os montes que o formam. A finalidade com que se fez tal
construção é clara, já que ela leva a água de fontes perpétuas, à distância de
cinco milhas, para a cidade, onde, por meio de canos plúmbeos, é conduzida a um
grande e elegante reservatório na praia, em frente ao palácio do Vice-rei. Essa
água é da melhor qualidade e é ademais tão abundante que não só proporciona o
necessário para todas as vontades dos habitantes, como também reabastece os
navios que vem ao porto – um elemento muito necessário.”
Æneas Anderson: “A
Narrative of the British Embassy to China”. Dublin. Printed for William
Porter, 1795. Tradução de Danilo Lopes Brito.
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