Perdido
em meio a um jardim tropical, o soldado romano parece completamente deslocado. Com
pressa acabei me esquecendo da visão inusitada. Até que reli a história da
estátua, contada pelo professor Claude Lévi-Strauss. Assim, a quarta-feira
foi agitada. Fui ao Centro em busca da estátua, pois não me lembrava de onde o
havia visto. Uma caminhada e tanto até o Largo do Arouche, onde prédios
elegantes dão uma boa ideia da beleza do lugar em meados do século passado.
Entretanto, a paisagem se deteriorou. Malandros se apossam dos espaços que
deveriam ser de todos. Bustos de bronze foram arrancados e provavelmente
derretidos. Restam Vicente de Carvalho, Luiz Gama e um desconhecido – por
enquanto só levaram a placa de identificação.
Enfim, localizo Augusto de Porta Prima, gozando de sombra fresca como soem
fazer os imperadores – entre uma batalha e outra ou mortos. É uma das muitas cópias
do belíssimo original italiano (nem precisa dizer), que representa o primeiro
imperador romano Otávio Augusto (27 A.C – 14 D.C), descoberta em 1863 e que se
encontra nos Museus do Vaticano.
O professor Claude Lévi-Strauss conta em “Tristes trópicos” que o
paulistano não gostou da estátua (nem ele). E como o nobre Augusto tem o braço
direito levantado como se fizesse um discurso, logo circulou a versão de que
ele indicava o casarão de um jurista e político famoso à época, José Carlos de
Macedo Soares (1883-1968): “É ali que mora Carlito”. Lévi-Strauss, entretanto,
preferiu não identificar o verdadeiro Carlito e deu-lhe um pseudônimo.
De acordo com o Arquivo Histórico Municipal, a estátua foi executada pelo
Liceu de Artes e Ofícios e colocada muito provavelmente na esquina da São Luís
com a Rua Major Quedinho – mais tarde recuada com a urbanização, dando lugar à
Rua Martins Fontes. A hipótese é que a estátua ali instalada estivesse voltada
para o Teatro Municipal de forma que o imperador apontasse na direção da mansão
de Macedo Soares.
O imperador Augusto também sofreu banimento no período da II Guerra e só
voltou à difícil tarefa de adornar um local público paulistano em 1948, quando
foi levado do depósito para o Largo do Arouche. Difícil porque além dos pombos
tem que enfrentar depredadores de monumentos públicos, piores que os exércitos
que enfrentou em vida.
A estátua testemunhou em 1951 a chegada da compatriota Amélia Mazotti
Montanari que abriu o restaurante “O Gato que ri”, famoso pela qualidade das
massas que ela preparava. Dona Amélia morava na parte superior do imóvel, que
ela dirigiu até 1983, quando foi brutalmente assassinada. O crime nunca foi
solucionado. Depois de ficar fechado por alguns anos o gato voltou a sorrir com
novos donos. Augusto de Prima Porta, felizmente,
resiste.
Obra original. Imagem: Wikipedia. |
2 comentários:
Muito bom. E divertido de ler. bjs.
Obrigada, Nilton. Beijos.
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