sábado, 26 de janeiro de 2019

SANTOS EM FESTA


Ninguém escolhe o lugar de nascimento. Eu nem cheguei a pôr os pés em minha cidade natal. Fui levada para Santos com apenas dois meses de vida. Se me perguntam, sou de Santos, respondo. Para mim é inesquecível o perfume do café torrado que emanava das torrefações situadas no entorno da Praça dos Andradas, no Centro de Santos. Com as mudanças no sistema de produção e distribuição do café aliadas ao crescimento da cidade, o perfume se esvaneceu há algumas décadas. Tão forte na lembrança quanto o cheiro do café torrado é o aroma da maresia que emana pela orla da praia, especialmente, após as chuvaradas de verão ou em certas ocasiões de maré vazante. Aspirar fundo esse odor é extremamente relaxante e saudável. Nada como observar o mar encontrando o céu e embarcações, que parecem minúsculas, na linha do horizonte; ou ter o privilégio de assistir ao nascer do sol de um lado da praia e o pôr do sol do outro. Deixei a praia pelo planalto, mas nunca me senti menos santista. A volta é sempre um prazer renovado – a Serra do Mar proporciona uma vista bela. Sempre convidativa.  

Rua Amador Bueno, Centro Português. Foto: Google.

A rua da minha infância, 2017.

SANTOS POR UM PORTUGUÊS E UM SUÍÇO

“Da Serra do Cubatão descobre-se um dos panoramas mais soberbos que se podem oferecer aos olhos do viajante! Os plainos imensos e azulados do oceano traduzem apenas a sua imobilidade pelas franjas de branca espuma com que as ondas bordam as curvas arenosas da praia. A ilha, os canais, os aterrados, e lá ao longe as torres das igrejas e as paredes alvas das casas da cidade de Santos, ilha cercada pelo Cubatão e pelo Casqueiro, dois rios que deságuam na barra de São Vicente, compõem uma paisagem admirável, cuja impressão se grava por muito tempo na memória, como a reminiscência agradável de um sonho da fantasia.”

Augusto Emílio Zaluar (1849-1882). Zaluar, jornalista português, se naturalizou e se estabeleceu no Brasil. O texto é da viagem que fez em em 1860/1861.
Porto de Santos do Monte Serrat, 2009.
"A primeira vez que vi o mar, não me esqueço. Parece que ficou dentro de mim como uma necessidade permanente do meu ser. Teria uns 10 anos (...) foi de chofre, o mar, uma grandeza longínqua, enorme, fiquei doentio, não ia, me levavam." 
Mário de Andrade (1893-1945) sobre a viagem a Santos.

 A BOMBORDO

O porto
Nenhum ruído de máquina nenhum assobio nenhuma sirena
Nada se mexe nenhum homem à vista
Nenhuma fumaça sobe nenhum penacho de vapor
Insolação de um porto inteiro
Nada mais do que o sol cruel e o calor que cai do céu e que sobe da água um calor alucinante
Nada se mexe
No entanto aqui existe uma cidade atividade uma indústria
Vinte e cinco cargueiros de dez nações diferentes estão no cais carregando café
Duzentas gruas trabalham silenciosamente
(De binóculo se percebem os sacos de café que viajam sobre tapetes rolantes e elevadores contínuos
A cidade está escondida atrás de hangares achatados e grandes depósitos retilíneos de metal ondulado)
Nada se mexe
Esperamos horas
Ninguém vem
Nenhuma barca deixa a costa
Nosso navio parece derreter a cada minuto e afundar lentamente no calor espesso e balançar e ir a pique

Blaise Cendrars (1887-1961), o viajante e escritor suíço que se apaixonou pelo Brasil e pelos modernistas. Fez sete viagens ao Brasil.

4 comentários:

Nilton Tuna disse...

Belo texto!

Hilda Araújo disse...

Nossa cidade. Obrigada.

jose carlos disse...

Belíssima crônica sobre nossa encantadora cidade. Pelas imagens, acabei não identificando o nome da rua de sua infância... seria 7 de setembro, ou Constituição ?

PS: Câmara Cascudo que se cuide !!!!

Hilda Araújo disse...

Olá, José Carlos. Até os 145 anos, Rua Amador Bueno naquela quadra do Centro Português, e depois na Rua da Constituição. Nenhuma das duas casas existe mais mais. Um abração.