Ninguém escolhe o
lugar de nascimento. Eu nem cheguei a pôr os pés em minha cidade natal. Fui
levada para Santos com apenas dois meses de vida. Se me perguntam, sou de Santos,
respondo. Para mim é inesquecível o perfume do café torrado que emanava das
torrefações situadas no entorno da Praça dos Andradas, no Centro de Santos. Com
as mudanças no sistema de produção e distribuição do café aliadas ao
crescimento da cidade, o perfume se esvaneceu há algumas décadas. Tão
forte na lembrança quanto o cheiro do café torrado é o aroma da maresia que
emana pela orla da praia, especialmente, após as chuvaradas de verão ou em
certas ocasiões de maré vazante. Aspirar fundo esse odor é extremamente
relaxante e saudável. Nada como observar o mar encontrando o céu e embarcações,
que parecem minúsculas, na linha do horizonte; ou ter o privilégio de assistir
ao nascer do sol de um lado da praia e o pôr do sol do outro. Deixei a praia pelo
planalto, mas nunca me senti menos santista. A volta é sempre um prazer renovado
– a Serra do Mar proporciona uma vista bela. Sempre convidativa.
Rua Amador Bueno, Centro Português. Foto: Google. |
A rua da minha infância, 2017. |
SANTOS POR UM PORTUGUÊS E UM SUÍÇO
“Da Serra do Cubatão descobre-se um
dos panoramas mais soberbos que se podem oferecer aos olhos do viajante! Os
plainos imensos e azulados do oceano traduzem apenas a sua imobilidade pelas
franjas de branca espuma com que as ondas bordam as curvas arenosas da praia. A
ilha, os canais, os aterrados, e lá ao longe as torres das igrejas e as paredes
alvas das casas da cidade de Santos, ilha cercada pelo Cubatão e pelo
Casqueiro, dois rios que deságuam na barra de São Vicente, compõem uma paisagem
admirável, cuja impressão se grava por muito tempo na memória, como a reminiscência
agradável de um sonho da fantasia.”
Augusto
Emílio Zaluar
(1849-1882).
Zaluar, jornalista português, se naturalizou e se estabeleceu no Brasil. O texto é da viagem que fez em em 1860/1861.
Porto de Santos do Monte Serrat, 2009. |
"A primeira vez que vi o mar, não me esqueço. Parece que ficou dentro de mim como uma necessidade permanente do meu ser. Teria uns 10 anos (...) foi de chofre, o mar, uma grandeza longínqua, enorme, fiquei doentio, não ia, me levavam."
Mário de Andrade (1893-1945) sobre a viagem a Santos.
A BOMBORDO
Mário de Andrade (1893-1945) sobre a viagem a Santos.
O
porto
Nenhum
ruído de máquina nenhum assobio nenhuma sirena
Nada
se mexe nenhum homem à vista
Nenhuma
fumaça sobe nenhum penacho de vapor
Insolação
de um porto inteiro
Nada
mais do que o sol cruel e o calor que cai do céu e que sobe da água um calor
alucinante
Nada
se mexe
No
entanto aqui existe uma cidade atividade uma indústria
Vinte
e cinco cargueiros de dez nações diferentes estão no cais carregando café
Duzentas
gruas trabalham silenciosamente
(De
binóculo se percebem os sacos de café que viajam sobre tapetes rolantes e
elevadores contínuos
A
cidade está escondida atrás de hangares achatados e grandes depósitos
retilíneos de metal ondulado)
Nada
se mexe
Esperamos
horas
Ninguém
vem
Nenhuma
barca deixa a costa
Nosso
navio parece derreter a cada minuto e afundar lentamente no calor espesso e
balançar e ir a pique
Blaise Cendrars (1887-1961), o viajante e escritor suíço
que se apaixonou pelo Brasil e pelos modernistas. Fez sete viagens ao Brasil.
4 comentários:
Belo texto!
Nossa cidade. Obrigada.
Belíssima crônica sobre nossa encantadora cidade. Pelas imagens, acabei não identificando o nome da rua de sua infância... seria 7 de setembro, ou Constituição ?
PS: Câmara Cascudo que se cuide !!!!
Olá, José Carlos. Até os 145 anos, Rua Amador Bueno naquela quadra do Centro Português, e depois na Rua da Constituição. Nenhuma das duas casas existe mais mais. Um abração.
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