sexta-feira, 20 de março de 2020

HISTÓRIA, LITERATURA E ATUALIDADE


Algumas pessoas reclamam do período de quarentena, uma necessidade que se impõe para o bem comum. Muitos ficam perdidos sem saber o que fazer da vida quando a porta de casa está fechada e lá fora ronda o perigo invisível. A história e a literatura podem ajudar muito. “Decamerão: ou Príncipe Galeotto”, obra-prima do poeta italiano Giovanni Boccaccio (1313-1375), foi escrita após a epidemia da peste que assolou a Europa e chegou à Florença em 1348. O livro contém cem novelas, narradas em dez jornadas (decameron) por sete mulheres e três homens, que se refugiaram durante dez dias em um local isolado na tentativa de escapar da peste. “Nas ditas novelas surgirão casos de amor. Uns agradáveis, outros escabrosos. Serão registrados outros eventos felizes, passados tanto nos tempos atuais, como nos antigos”, escreveu Boccaccio no prólogo.
Muitas das narrativas (contos) inspiraram grandes escritores (Shakespeare e Molière) e compositores como Vivaldi (Griselda). Em 1971, o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975) fez uma adaptação satírica da obra, vencedora do Grand Prix do Festival de Berlim.  Enfim, Boccaccio é considerado o precursor do realismo.
Tudo começa com uma palestra de Pampineia sobre o motivo que levou o grupo a fazer essa jornada e narra de forma realística o cotidiano nas cidades afetadas pela peste. “... pois ela atirava-se contra os sãos, a partir dos doentes, sempre que doentes e sãos estivessem juntos. Ela agia assim de modo igual àquele pelo qual procede o fogo: passa às coisas secas, ou untadas, estando elas muito próximas dele”. A moça prossegue: “Não apenas o conversar e o cuidar de enfermos contagiavam os sãos com esta doença, por causa da morte comum, porém mesmo o ato de mexer nas roupas, ou em qualquer outra coisa que tivesse sido tocada, ou utilizada por aqueles enfermos, parecia transferir ao que bulisse, a doença referida”.
        O livro tem duas lições importantes: numa época em que nada se sabia sobre a peste, o instinto dizia que o isolamento era fundamental; que para passar o tempo contar uma boa história ajudava muito. Além de distrair e desenvolver a criatividade, ajuda a enfrentar frustração, medo e preocupação.  No século XXI, sete séculos após o poeta florentino, temos conhecimento científico avançado, tecnologia de ponta e informação para enfrentar situações críticas, mas bom senso é fundamental. Enquanto nova vacina não for desenvolvida, é preciso seguir as orientações dos serviços de saúde, pois a segurança de cada um está estreitamente ligada à segurança de todos.

Decameão: a história de Peronella por Pasolini. Marido e mulher e o amante dela na barrica.


DECAMERÃO ‒ Giovanni Boccaccio, tradução de Torrieri Guimaraes, São Paulo, Abril Cultural, 1981. (Dois volumes.)
Atualmente, está disponível na Internet. 

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