quarta-feira, 18 de março de 2020

JANELAS INDISCRETAS


Alfred Hitchcock: janelas em plano americano.
De manhã, enquanto tomo sol, aproveito para ler, mas às vezes passarinhos me interrompem ao pousarem no beiral da janela. São graciosos, entretanto, é impossível não reparar no prédio enorme ao fundo, inaugurado há uns dois anos e que me privou da vista do amanhecer. Os apartamentos do primeiro andar parecem vitrines ou fotogramas em plano aberto. De onde estou é possível ver os móveis, a decoração, os movimentos dos moradores... Uma situação bastante incômoda porque, queira ou não, do lado de cá todos acabam vendo o que acontece por lá, mesmo que não sejam janeleiros, como eu. Abro as janelas logo cedo e só retorno para avaliar as condições do tempo ou se percebo que há algo fora do normal acontecendo lá embaixo, e para fechá-las no início da noite. Controlar a vida alheia não é uma opção nem mesmo neste momento de isolamento a que estamos sujeitos.
Lembro-me de “Janela Indiscreta” (1954), o filme de Alfred Hitchcock (1899-1980), em que o personagem de James Stewart com o pé quebrado está confinado no apartamento e passa os dias bisbilhotando a vida dos moradores do prédio em frente, munido com possantes binóculos. É um ótimo filme, mas não estou interessada no que acontece nessas vitrines e o bandido, que circula no momento, é invisível e imune à lei e à ordem. Volto ao livro “Uma história da leitura”, de Alberto Mangel.
Aqui, eles não precisariam de binóculos porque as janelas ocupam toda a frente do apê. 





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