quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

MODERNISMO

 


O modernismo no Brasil não surgiu de repente no calor de uma noite de verão no Teatro Municipal de São Paulo diante de uma plateia, rica e conservadora. O modernismo começou a ser engendrado bem antes de 1922. Pipocou aqui e ali, quase morreu quando um escritor famoso, com pretensões a pintor, exorcizou uma jovem artista que ousara expor sua arte em São Paulo, até que um senhor culto e bem nascido resolveu bancar a festa e a revolução cultural de 1922, que vinha sendo construída por dois Andrades busca de gênios irreverentes, e tecida por um entusiasmado escritor e diplomata[1].

Trocando em miúdos: a precursora do modernismo foi Anita Malfatti que pôs a cara para bater ao reunir seus quadros no salão da Rua Líbero Badaró, 111, pertencente ao conde de Lara, Antonio de Toledo Lara (1864-1935). Anita, então com 28 anos, tinha estudado arte na Alemanha e nos Estados Unidos. A Exposição de Pintura Moderna Anita Malfatti foi inaugurada em 12 de dezembro de 1917. Recebeu boas críticas, vendeu oito quadros até a publicação na imprensa da crítica de Monteiro Lobato (1882-1948) que, se reconhece o talento independente, original e inventivo da artista, arrasa a “arte moderna”. Sequer escapam “as extravagâncias de Picasso”.

Houve um visitante que riu sem parar ao se deparar com um “homem amarelo e uma mulher de cabelos verdes”, voltou outras vezes e se apresentou à Anita: “Sou o poeta Mário Sobral”. E esse foi o início de uma grande amizade, Mário Sobral era o pseudônimo de Mário de Andrade, que logo a avisou que um dia iria buscar “O homem amarelo” que tanto o agradara.

Os dois Andrades se encontraram em outras circunstâncias. Mário era professor de piano no Conservatório Musical e Dramático de São Paulo e em 1917 já publicara o livro “Há uma gota de sangue em cada poema”, que assinou como Mário Sobral. Em novembro de 1917, numa solenidade realizada no Conservatório em apoio à entrada do Brasil na Grande Guerra com a presença do secretário de Justiça do Estado, o cafeicultor e industrial Elói Chaves (1875-1964), Mário de Andrade fez um pequeno discurso sobre a pátria. A originalidade do texto encantou o repórter do Jornal do Comércio que o publicou na íntegra. O jornalista era o outro Andrade, Oswald. Oswald de Andrade (1890-1954), jornalista e crítico teatral. Nasceu a amizade entre os dois Andrades que terminaria em 1929 com o afastamento de Mário magoado com o amigo.

É interessante como sem se conhecerem estavam todos próximos. Nessa época, Oswald de Andrade mantinha uma garçonnière na Rua Líbero Badaró, 67 que acolhia não apenas suas paixões do momento, mas era palco de debates com os amigos Guilherme de Almeida (1890-1969), Vicente Rao (1892-1978), Ignácio da Costa Ferreira Ferrignac (1892-1958) e Monteiro Lobato entre outros.[2]

Ilustração: O Homem Amarelo  (1916), de Anita Malfatti. Acervo do IEB/USP.

[1] Em 1913, o pintor expressionista russo Lasar Segall (1889-1957), de passagem pelo Brasil, realizou duas exposições, uma em São Paulo e outra em Campinas que não tiveram repercussão.

[2] Fontes: “1922: a semana que não terminou”. Marcos Augusto Gonçalves. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

“Oswald de Andrade: biografia”. Maria Augusta Fonseca. São Paulo: Editora Global, 2007.

 

Nenhum comentário: