quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

OS REBELDES

 


São Paulo iniciou as comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 com a excelente exposição promovida pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP) e Centro Cultural da FIESP. Dificilmente haverá outra melhor porque o IEB é o detentor do mais completo acervo modernista do Brasil. Então não perca. Ponha a máscara, encha-se de álcool (só nas mãos) e vá até a Avenida Paulista, 1313 para conhecer esses artistas maravilhosos que, no verão de 1922, ousaram enfrentar os conservadores no templo do conservadorismo paulistano: o Teatro Municipal de São Paulo. Foram vaiados, ridicularizados, mas com o passar do tempo conquistaram o reconhecimento da crítica e do público (ainda há resistências). Conquistaram até o velho e bom José Bento Monteiro Lobato (1882-1948). Afinal, quem resistiria a Mário, Oswald, Guilherme, Heitor, Victor, Emiliano, Anita, Tarsila...?

        A semana não reuniu apenas paulistas. O mais velho dos rebeldes era maranhense de São Luís: José Pereira da GRAÇA ARANHA, que em 1922 tinha 54 anos. Graça Aranha (1868-1931) foi escritor, diplomata e membro fundador da Academia Brasileira de Letras (cadeira 38). Abraçou a causa modernista a ponto de mais tarde repudiar a Academia (que não o repudiou). A longa permanência no exterior como diplomata proporcionou a Graça Aranha acompanhar os novos movimentos artísticos da Europa pouco conhecidos no Brasil, onde ainda pontificavam artistas que se mantinham nos moldes do século XIX.

        O maranhense gostou tanto da ideia da Semana de Arte Moderna que foi um dos seus organizadores e no dia da abertura do grande evento fez um discurso que 100 anos depois merece ser lido. Selecionei a primeira parte, mas o texto integral encontra-se disponível no site da Academia Brasileira de Letras.

         https://www.academia.org.br/academicos/graca-aranha/bibliografia

 

A EMOÇÃO ESTÉTICA NA ARTE MODERNA

Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje, é uma aglomeração de “horrores”. Aquele Gênio supliciado, aquele homem amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela paisagem invertida se não são jogos da fantasia de artistas zombeteiros, são seguramente desvairadas interpretações da natureza e da vida. Não está terminado o vosso espanto. Outros “horrores” vos esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta coleção de disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente, virão revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do Passado. Para estes retardatários a arte ainda é o Belo.

Nenhum preconceito é mais perturbador à concepção da arte que o da Beleza. Os que imaginam o belo abstrato são sugestionados por convenções forjadoras de entidades e conceitos estéticos sobre os quais não pode haver uma noção exata e definitiva. Cada um que se interrogue a si mesmo e responda que é a beleza? Onde repousa o critério infalível do belo? A arte é independente deste preconceito. É outra maravilha que não é a beleza. É a realização da nossa integração no Cosmos pelas emoções derivadas dos nossos sentidos, vagos e indefiníveis sentimentos que nos vêm das formas, dos sons, das cores, dos tatos, dos sabores e nos levam à unidade suprema com o Todo Universal. Por ela sentimos o Universo, que a ciência decompõe e nos faz somente conhecer pelos seus fenômenos. Por que uma forma, uma linha, um som, uma cor nos comovem, nos exaltam e transportam ao universal? Eis o mistério da arte, insolúvel em todos os tempos, porque a arte é eterna e o homem é por excelência o animal artista. O sentimento religioso pode ser transmudado, mas o senso estético permanece inextinguível, como o Amor, seu irmão imortal. O Universo e seus fragmentos são sempre designados por metáforas e analogias, que fazem imagens. Ora, esta função intrínseca do espírito humano mostra como a função estética, que é a de idear e imaginar, é essencial à nossa natureza.

A emoção geradora da arte ou a que esta nos transmite é tanto mais funda, mais universal quanto mais artista for o homem, seu criador, seu intérprete ou espectador. Cada arte nos deve comover pelos seus meios diretos de expressão e por eles nos arrebatar ao Infinito. (...)


Graça Aranha (foto) é autor de “Canaã” (1901), “Malazarte“ (1911), “Estética da Vida“ (1921), “O Espírito Moderno“ (1924), “Manifesto de Marinetti e seus companheiros“ (1926), “A viagem maravilhosa“ (1929) e “O meu próprio romance (1931). Na Academia, ocupou a cadeira de Alberto Santos-Dummont.




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