Gostei das caminhadas que o tio Nhonhô fazia para ir trabalhar e aos domingos, quando convidava o sobrinho Jorge Americano (1891-1969), para um passeio. Difícil mesmo é reproduzi-las porque em mais de um século a cidade mudou completamente, mas tentarei. Nhonhô, que morava na casa do irmão, tinha 30 anos, era solteiro, trabalhava meio período e aproveitava a vida: fumava e costumava sair após o jantar para encontrar amigos, retornando por volta da meia-noite para grande desgosto da família.
Mas são os passeios dominicais que me interessam. Eles moravam na Rua dos Andradas, Santa Ifigênia, e iam de bonde até o final na Vila Mariana, onde desciam e andavam pela estrada das boiadas, subiam pelo caminho que se tornaria mais tarde a Rua Abílio Soares até o Paraíso. O roteiro me rendeu um quebra-cabeça. Dos bons! Afinal, a Vila Mariana era praticamente rural e por ser muito distante do centro fora escolhida para sediar em 1887 o Matadouro Municipal (prédio da Cinemateca). Leio em algum lugar que a estrada das boiadas estendia-se desde Pinheiros até o Ibirapuera, ainda um grande charco. Minha pista é o final da linha do bonde: a Estação da Vila Mariana, inaugurada em 1885, era (mais ou menos) na área em que hoje se encontra a Praça Dr. Teodoro de Carvalho, entre as Ruas Domingos de Moraes e Sud Mennucci. Quem sabe os andarilhos desceriam por uma trilha (atual Rua França Pinto), entrariam à direita (hoje Rua Tangará) e daí pela rota que nos dias atuais conhecemos como Avenida Rodrigues Alves até a Cubatão e daí até a Rua Abílio Soares em direção ao Paraíso... Quem sabe? O certo é que no Paraíso havia uma pausa para engraxar os sapatos enlameados no caminho. A aventura terminava na Confeitaria Castelões, onde saboreavam um sanduíche e bebiam um chope antes de voltar para casa. Fico imaginando quantos anos teria Jorge Americano para apreciar chope... Ou o plural seria pela presença de Emílio Ribas (1862-1925), o médico sanitarista, amigo de Nhonhô, que às vezes participava do passeio? Quem sabe?
São Paulo Naquele Tempo (1895-1915). Jorge Americano (1891-1969). São Paulo: Edição Saraiva, 1957.
JORGE AMERICANO era professor de Direito. Foi reitor da Universidade de São Paulo e um dos fundadores da Faculdade de Direito Mackenzie; presidiu o Instituto dos Advogados e atuou como juiz no Tribunal de Arbitragem de Haia.
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