quinta-feira, 26 de agosto de 2021

CHAMINÉS PAULISTANAS

 

As chaminés já foram o símbolo do desenvolvimento e da riqueza paulista e à medida que o tempo passou se transformaram em um problema ambiental; as indústrias foram se modernizando ou deixando a cidade. Hoje as chaminés são monumentos solitários da paisagem urbana.

 Uma chaminé, entretanto, tem uma história especial: a Chaminé da Luz, que pertenceu à antiga Usina Elétrica da Luz e teve um papel importante no processo de eletrificação da cidade de São Paulo. Ela ficou pronta em 1896 e em 1924 foi alvo de bombardeios pelo governo federal durante a rebelião tenentista que ocorreu entre 5 e 28 de julho, matando cerca de mil pessoas e enquanto cerca de quatro mil ficaram feridas. O objetivo da revolta foi a deposição do presidente Artur Bernardes (1875-1955), fato que o levou a decretar estado de sítio até quase o final do governo. Há alguns anos o Ministério Público condenou o governo do Estado a restaurar a chaminé, que ainda mantém resquícios da revolta em suas paredes. (Rua João Teodoro, 155).

E como sempre acontece, com a modernização das cidades,  desapareceram os limpadores de chaminés domésticas, uma profissão rude, causadora sérias doenças profissionais. 

Zona Cerealista de São Paulo.

Incinerador Vergueiro. Vila Mariana, Avenida Dr. Ricardo Jafet. 

Rua Deputado Salvador Julianelli, Água Branca.


O LIMPADOR DE CHAMINÉS

 

 Ao morrer minha mãe, eu era criancinha;

E meu pai me vendeu quando ainda a língua minha

Dizia “vale-dor!” De “varredor” não fujo,

Pois limpo chaminés, e sigo sempre sujo.

 

Chorou Tom Dacre ao lhe rasparem o cabelo,

Cacheado como um cordeirinho. E eu disse ao vê-lo:

“Não chores, Tom! Porque a fuligem não mais deve

Manchar, como antes, teu cabelo cor de neve.”

 

E ele ficou quietinho; e nessa noite, então,

Enquanto ele dormia, teve uma visão:

Viu Dick, Joe, Ned e Jack, - e mil colegas mais, -

Encerrados em negros caixões funerais.

 

E um anjo apareceu, com chave refulgente,

E abriu os seus caixões, soltando-os novamente;

E correm na verdura, a rir, para o arrebol,

E se banham num rio e reluzem ao sol.

 

Brancos e nus, sem mais sacolas e instrumentos,

Eis que sobem as nuvens, brincam sobre os ventos;

E esse anjo disse a Tom que, se ele for bonzinho,

Terá Deus como pai, e todo o seu carinho.

 

E assim Tom despertou; e, antes do sol raiar,

Com sacolas e escovas fomos trabalhar.

Feliz, Tom nem sentia o frio matinal;

Quem cumpre o seu dever não teme nenhum mal.

 

Em “Canções da Inocência”, de William Blake (1757-1827). Tradução: Paulo Vizioli.






terça-feira, 24 de agosto de 2021

O MACARRONISMO DE JUÓ BANANÉRE

Neste final de semana li dois livros. E ainda saí para tomar sol. O primeiro livro até reli. Explico: ele tem menos de quarenta páginas e é bem divertido. A primeira leitura foi um pouco complicada porque pulei os prolegômenos, mas descobri que se lesse em voz alta iria entender melhor as poesias e as histórias. O problema foi identificar os personagens estropiados pelo autor, aliás, personagens verídicos. Antes de reler busquei ajuda de Otto Maria Carpeaux (1900-1978) e Antônio Alcântara Machado (1901-1935), que assinam a introdução de “La Divina Increnca” (1915), de Alexandre Ribeiro Marcondes Machado (1892-1933), cronista paulistano que usava o pseudônimo de Juó Bananére e escrevia na “língua misturada do Brás”. O livro reúne paródias de poesias dos grandes poetas da época e sátiras contra políticos (especialmente Hermes da Fonseca) e figuras de prestígio social de São Paulo. 

       Marcondes Machado, que era muito querido e popular, usou o macarronismo, nome que se dá ao emprego intencional e literário de duas línguas para fins parodísticos, como explica Otto Maria Carpeaux. E ainda de acordo com Carpeaux, os poetas parnasianos eram as vítimas preferidas de suas paródias. Um deles foi Raimundo Correia (1859-1911), autor de “As Pombas”.


As pombigna

P’ro aviadore chi pigó o tombo

 Vai a primiéra pombigna dispertada,

I mais otra vai disposa da primiéra;

I otra maise, i maise otra, i assi dista maniéra,

Vai s’imbora tutta pombarada.

 

Pássano fora o di i a tardi intêra,

Catáno as formiguigna ingoppa a strada;

Ma quano vê a notte indisgraziada,

Vorta tuttos in bandos, in filêra.

 

Assi tambê, o Cicero avua,

Sobi nu spaço, molto ale da lua,

Fica piqueno uguali d’un sabiá.

 

Ma tuttos dia avua, allegre, os pombo!...

Inveiz chi o Muque, desdi aquillo tombo,

Nunca maise quiz sabê di avuá.


La Divina Increnca (1915), Juó Bananére. São Paulo: Editora 34, 2001.

sábado, 21 de agosto de 2021

VIDA SINGELA

 

Seria muito bom viver em um farol longe da costa... Ver o Sol nascer e se pôr, cedendo lugar para a Lua...  Ouvir somente o mar, o vento, os trovões e a chuva batendo na janela. A companhia dos livros e CDs e a eventual visita de gaivotas, biguás, rabos-de-palha. Fragatas? Só as voadoras, conhecidas também como tesourão. Uma maravilha! Nada de romantismo. Vida rústica, que a tecnologia disponível pode amenizar, como a energia solar, por exemplo. 

    Esta bela foto de Roberto Linsker vi na exposição “Mar de Homens”, promovida pela Caixa Cultural, em 2008. 


No farol de Patras, Grécia, funciona um restaurante. Foto: 2019.


quarta-feira, 18 de agosto de 2021

CAVALO MARINHO

No próximo domingo (22), comemora-se o Dia do Folclore. O Brasil tem um rico e diversificado folclore e várias manifestações culturais nacionais são consideradas patrimônio imaterial da humanidade pela UNESCO, como o Bumba-meu-boi e o Tambor de Crioula (Maranhão) e o Frevo (Pernambuco). O folclore é “ciência das tradições, dos usos e da arte popular de um país ou região” de uma geração para outra. Em São Paulo as festas juninas são uma tradição, mas estão longe da importância que têm no Nordeste. Entre os personagens folclóricos temos entre outros o Curupira e o Boto Cor de Rosa (Amazonas), o Saci Pererê e o Negrinho do Pastoreio (Região Sul). Em 1986 a lenda do Boto Cor de Rosa ganhou um filme, ‒ “Ele, o Boto” ‒, que teve roteiro de Lima Barreto e Walter Lima Jr. Coube a Carlos Alberto Riccelli interpretar o Boto. Monteiro Lobato levou o Saci para o Sítio do Pica-pau Amarelo, onde viveu grandes aventuras com Pedrinho, Narizinho e Emília (O Saci).

        Conjunto Farroupilha, Quinteto Violado e Orquestra Paulistana de Viola Caipira são alguns exemplos do registro fonográfico do cancioneiro folclórico brasileiro, sem contar as gravações de frevo, reisados e maracatus. Belo trabalho é realizado por Antonio Nóbrega através do Instituto Brincante, fundado em 1992 por ele e Rosane Almeida.  

O Cavalo Marinho é uma brincadeira, típica da Zona da Mata de Pernambuco e da Paraíba, que mistura teatro, música e dança e reúne cerca de 76 personagens, todos vestidos com máscaras, fitas, espelhos.


    Folclore é conversa que não acaba mais ‒ inclui comidas, superstições, provérbios... Fico por aqui, pois como diz o velho provérbio, cada macaco no seu galho, e eu não sou especialista no tema.




segunda-feira, 16 de agosto de 2021

MULATO FACEIRO

Escrever a autobiografia pode ser um exercício de vaidade, registro de memórias ou relato de experiências pessoais. Gosto muito quando encontro resumos autobiográficos em meio a uma obra e aprecio, especialmente, os depoimentos criativos como este do paulista Eduardo Sebastião das Neves (1874-1919), artista negro que iniciou como palhaço e foi cantor, poeta, compositor e violonista de grande sucesso na época:

CRIOULO FACEIRO

Quando eu era molecote

Que jogava meu pião,

Já tinha certo jeitinho

Para tocar violão.

 

Quando eu ouvia,

Com harmonia,

A melodia

De uma canção,

Sentia gatos

Que me arranhavam,

Que me pulavam

No coração.

 

Fui crescendo, fui aprendendo,

Fui-me metendo na malandragem

Hoje sou cabra escovado,

Deixo os mestres na bagagem.

 

Quando hoje quero

Dar mão à lira,

Ela suspira,

Põe-se a chorar,

As moreninhas

Ficam gostando

De ver o crioulo

Preludiar.

 

Entrei na Estrada de Ferro

Fui guarda-freio destemido...

Veio aquela grande greve,

Por isso fui demitido.

 

 Era um tal chefe,

Que ali havia,

Que me trazia,

Sempre na pista;

Ah! não gostava

Da minha ginga;

Foi, apontou-me

Como grevista.

 

Como é o filho de meu pai

Do Grupo dos Estradeiros,

Fui para a Quarta Companhia

Lá do Corpo de Bombeiros.

 

Na Companhia

Estava alojado,

Todo equipado

De prontidão;

Enquanto esperava

Brando de fogo

Preludiava

No violão.

 

Fui morar em São Cristóvão

Onde morava meu mestre...

Depois de ter minha baixa

Fui pra companhia equestre.

 

Sempre na ponta

A fazer sucesso

Desde o começo

Da nova vida;

Rindo e brincando,

Nunca chorando,

Tornei-me firma

Bem conhecida.

 

Não me agasto em ser crioulo;

Não tenho mau resultado,

Crioulo sendo dengoso,

Traz as mulatas de canto chorado.

 

Meus sapatinhos

 De entrada baixa,

Calça bombacha,

Pra machucar;

As mulatinhas

Ficam gostando,

E se babando

C’ o meu pisar.

 

Fui a certo casamento...

Puxei ciência no violão,

Diz a noiva pra madrinha:

“Este crioulo é a minha perdição.

 

Estou encantada,

Admirada

Como ele tem

Os dedos leves...

Diga-me ao menos,

Como se chama?”

“Sou o crioulo

Dudu das Neves.”


Eduardo Sebastião das Neves é o autor da música “A Conquista do Ar” (1902), aqui interpretada por Bahiano. Apesar do sucesso e das gravações de suas composições, morreu muito pobre.


quinta-feira, 12 de agosto de 2021

SAKAMOTO: "MERRY CHRISTMAS, MR. LAWRENCE".

“Merry Christmas, Mr. Lawrence” (1983) é um dos meus filmes de guerra preferidos. A direção é do japonês Nagisa Oshima (1932-2013). O elenco, encabeçado pelo ator escocês Tom Conti (1941) no papel de Mr. Lawrence, tem dois grandes músicos nos papéis que polarizam o enredo, o inglês David Bowie (1947-2016) e o japonês Ryuichi Sakamoto (1952). Embora à primeira vista lembre a história fictícia de “A ponte do rio Kwai” (1957) por causa da rivalidade que se estabelece entre o prisioneiro de guerra britânico e o oficial japonês, o filme de 1983 tem roteiro escrito por Nagisa Oshima e Paul Mayersberg, que se basearam em dois livros de Laurens van der Post (1906-1996), prisioneiro em campo japonês durante a II Guerra Mundial e cuja experiência ele relatou em dois livros ‒ “The Seed and the Sower” (1963) e “The Night of the New Moon” (1970). No Brasil, o filme recebeu o nome de "Furyo, em nome da honra".

        A trilha musical do filme é Ryuichi Sakamoto, que em 1987 recebeu o Oscar, junto com David Byrne e Cong Su, pela trilha de “O Último Imperador”, de Bernardo Bertolucci.




quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O CALDO MIRACULOSO

No Brasil, ele chegou por meio dos portugueses, mas é encontrado em outros países europeus. Apreciado por pobres e ricos, em Portugal tem o nome de mão-de-vaca. Por aqui com o correr do tempo ganhou o nome de mocotó ‒ uma palavra de origem controversa ‒, pois para uns estudiosos vem do tupi e para outros da África. Esse caldo substancioso é feito com pata de bovino e há séculos faz parte do cardápio nacional. No Rio Imperial, final do século XIX, segundo cronistas da época, os artistas de rua (cantores e músicos) costumavam se apresentar de madrugada nos restaurantes populares em troca de um prato de mocotó no final da jornada.

        Como a pata de bovino, além de ser agradável ao paladar, custa barato, o caldo é bastante popular. Ao sabor, o folclore acrescentou a lenda de que caldo de mocotó é um santo remédio para cavalheiros que, na hora H não dão conta do recado. Em 1985, o cantor paraibano Genival Lacerda (1931-2021) compôs com Niceas Drumont (1912-1951) a música “Caldinho de Mocotó”.

        Como no inverno caldos são sempre bem-vindos, aqui vão a receita e e Genival Lacerda, que se foi este ano levado pelo Covid19.

 A RECEITA

Ingredientes: 1 mocotó picado ou em rodelas; 2 folhas de louro, cominho, 1 cebola media ralada, 4 dentes de alho amassados, 1 ramo pequeno de coentro, óleo e açafrão. Sal e pimenta-do-reino a gosto.

Modo de fazer: cozinhe o mocotó na panela de pressão por 40 minutos junto com o louro e o coentro. Retire e descarte os ossos. Separe 1/5 da carne do mocotó e pique-a em pedaços pequenos. Bata o restante do mocotó no liquidificador com a água do cozimento até formar um caldo grosso. Despeje tudo na panela. Em uma frigideira, frite o alho no óleo, depois adicione a cebola e refogue. Adicione o refogado na panela com o caldo juntamente com o cominho, sal e pimenta. Coloque uma pitada de açafrão apenas para corar o tom pálido do caldo. Deixe ferver o caldo por 5 ou 10 minutos. (Fonte: Tudo gostoso.)

 

domingo, 8 de agosto de 2021

NOVOS CAMINHOS

 

O ipê amarelo reveste a calçada da Rua Gaspar Lourenço com suas flores. A Rua Machado de Assis com as calçadas cheias de degraus aumenta a dificuldade da caminhada ‒ deve valer alguns pontos a mais (resquícios de Olimpíadas). Passo pelo Prandiano - Museu da Matemática  e, apesar de ser domingo, há aula em andamento como informa o segurança. Na Rua Domingos de Moraes, uma surpresa: o imóvel onde funcionava o “Zais, a casa mais dançante de São Paulo” está para alugar e nenhuma informação sobre um novo endereço na porta. Vítima da pandemia? Rua Sena Madureira, sempre simpática, com as árvores do canteiro central dando-lhe um toque especial. Boas lembranças do curso de espanhol no Centro de Línguas e da professora argentina Mariarosaria. Tento me localizar, mas não tenho certeza se funcionava em um casarão, que agora é azul... Revejo a Biblioteca Infantil “Viriato Correa”. Uma novidade é a casa de modas com as vitrines coloridas e elegantes. Gosto mesmo da árvore que cansou e se esticou até o muro para descansar. Fico feliz por terem respeitado seu repouso. Hora de retornar e aproveitar o sol dessa cálida manhã de agosto.  

Rua Gaspar Ricardo.

Rua Sena Madureira.

Vamos dançar? 

Ela cansou, vergou-se e se apoiou no muro... 

sábado, 7 de agosto de 2021

CANTORES DE RUA

Ao passar por uma rua da Vila Mariana, escutei um som horrível e achei que alguém sentia-se mal; olhei em torno e percebi que era um rapaz com fones de ouvido cantando. Bem, pelo menos ele achava que estava. A música? Irreconhecível. Lembrei-me que houve um tempo em que as pessoas costumavam cantar na rua composições suas, de amigos ou músicas populares. Há alguns anos estava no Conjunto Nacional, quando ouvi uma voz maravilhosa cantando a “Bachiana nº 5”, de Villa-Lobos. Não resisti e fui até a entrada da Avenida Paulista ouvir a soprano que nos presenteava com tão linda interpretação; porém, os pedestres passavam apressados sem perceber a beleza.

        Faz algum tempo também que um operário na construção de um prédio vizinho de vez em quando soltava a voz. Boa voz e afinado. Nos vagões do metrô, embora seja proibido, frequentemente, aparecem cantores ou conjuntos musicais, alguns até bons.

        Parece que foram os apaixonados que inventaram a moda de cantar na rua e isso ainda na Idade Média na Europa. Cantavam à noite sob as janelas das donzelas trancafiadas em casa por pais ciosos de sua honra. Os portugueses denominaram esse costume de serenata e a esses cantores chamaram de serenistas, sereneiros e seresteiros.

        Vencida a vastidão do Atlântico em 1500, o costume da serenata chegou ao Brasil apenas no século XVIII, quando um francês em viagem pela colônia registrou o costume em Salvador, segundo José Ramos Tinhorão (1928-2021). Em meados do século XIX, os melhores cantores foram recebidos em salões e, na rua, a situação mudou com o surgimento dos cantores de modinhas, artistas anônimos, geralmente negros, preocupados em alcançar distinção social igual a dos cantores de salão. Esses cantores divulgavam também as composições de outros artistas anônimos.

O Xisto Bahia (1841-1894) foi o mais famoso trovador de rua da Bahia. Mulato com voz de barítono ficou famoso como parceiro de Artur Azevedo (1855-1908) no teatro musicado carioca. Xisto começou como seresteiro em Salvador ao lado de rapazes da elite, como José Maria Paranhos (1819-1880), mais tarde barão do Rio Branco. Outro trovador que se destacou foi Artur Budd, que segundo Tinhorão, chegou a gravar discos na Alemanha para onde viajou em 1912.

 Uma bela imagem desses personagens feita por Manuel Quirino, autor de A Bahia de Outrora: “Da meia-noite em diante, um pouco tomado, as cordas do violão ou do cavaquinho gemiam, e ele, com o lenço amarrado ao pescoço e a ponta do cigarro detrás da orelha, dava as notas mais sentidas, arrancadas do coração, naturalmente, sem esforço.

        No século XX, a presença dos cantores de rua ou cantadores de modinhas ou modinheiros foi registrada por cronistas em várias cidades brasileiras. “Os poetas de calçada são as flores de todo o ano da cidade, são a sua graça anônima e sua sagração ‒ porque afinal o próprio Platão, que julgava Homero um envenenador público, considerava o poeta um ser leve alado e sagrado.” (João do Rio em “A alma encantadora das ruas”, 1951/52.)

Ilustração do Manuscrito encomendado por Alfonso X de Castela, o Sábio (1221-1284).

terça-feira, 3 de agosto de 2021

ANIVERSARIANTE DO DIA

O cantor norte-americano Tony Bennett comemora hoje 95 anos. Uma vida de sucesso e, o que é mais importante, se reinventando. 

sexta-feira, 30 de julho de 2021

DIA DE PINGUIM

Foto:  Samuel Blanc, Wikipedia.

PINGUIM

Vinicius de Moraes


Bom dia pinguim,
Onde vais assim
Com ar apressado?
Eu não sou malvado,
Não fique assustado
Com medo de mim.

Eu só gostaria
De dar um tapinha
No seu chapéu jaca.
Ou bem de levinho
Puxar o rabinho
Da sua casaca.

Quando você caminha
Parece o Chacrinha
Lelé da caixola.
E um velho senhor
Que foi meu professor
No meu tempo de escola.

Pinguim, meu amigo,
Não zangue comigo
Nem perca a estribeira.
Não pergunte por quê,
Mas todos põem você
Em cima da geladeira


Em São Paulo, 30 de julho de 2021. Dia ensolarado. Temperatura: 7º.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

DUAS GUERREIRAS

O que Cleópatra e Anita Garibaldi têm em comum? 

 Não apenas a data de nascimento: ambas nasceram em 30 de agosto de eras diferentes, mas as duas deixaram suas marcas na História como guerreiras. Para começar houve muitas Cleópatras, mas foi Cleópatra VII (69 a. C.-39 a. C), a última representante da dinastia de Ptolomeu, que se tornou uma lenda por sua beleza e inteligência, duas qualidades que balançaram o Império Romano. Ou pelo menos Júlio César e Marco Antônio. Ela teve um filho com César e três com Marco Antônio. Quando perdeu o controle do governo do Egito para os romanos, se suicidou, assim como Marco Antônio.

Busto de Cleópatra, século I a.C., Museu Antigo de Berlim.

Ana Maria de Jesus Ribeiro (1821-1849), Anita, nasceu em Laguna (RS). Era descendente de portugueses açorianos. Casou-se aos 14 anos, mas o marido deixou-a para alistar-se no exército. Durante a Revolução Farroupilha (1835-1845) em que o Rio Grande se rebelou contra o governo Imperial, chegou ao Brasil o guerrilheiro Giuseppe Garibaldi (1807-1882) a soldo da república rio-grandense. Na luta pela tomada do porto de Laguna conheceu Anita e ambos se apaixonaram. Ela o acompanhou nas batalhas e em 1842 deixaram o Brasil para viver no Uruguai onde se casaram. O casal teve três filhos. O primeiro nasceu no Brasil. Em 1848, entretanto, Anita e as famílias de outros legionários embarcaram para a Europa e mais tarde Garibaldi reuniu-se a eles. O casal testemunhou a proclamação da República Romana, mas com a chegada dos exércitos franco-austríacos à Itália, Garibaldi teve que fugir. Anita, grávida novamente, o acompanhou, mas morreu em Ravena. Giuseppe Garibaldi foi um dos grandes batalhadores pela unificação italiana.


Em Santa Catarina a “heroína de Dois Mundos” foi homenageada por dois municípios: ANITA GARIBALDI, com cerca de oito mil habitantes, e ANITÁPOLIS, na grande Florianópolis, com população de pouco mais de 3.500 habitantes. Na cidade de São Paulo, a Rua Anita Garibaldi fica na Sé, entre as ruas Conselheiro Furtado e Rangel Pestana.

Retrato feito pelo pintor genovês Gaetano Gallino em Montevidéu em 1845. Museo del Risorgimento, Milão. 


Monumento em homenagem à Anita Garibaldi em Roma. Foto: Wikipedia, Sergio D’Afflitto, CC BY-SA.


quarta-feira, 28 de julho de 2021

TEMPO DE MUDAR

 

Um relógio muito especial: Verena Smit: "Tempo de Mudar", 2019. Centro Cultural São Paulo. E 2020 foi realmente um tempo que mudou tudo.


sábado, 24 de julho de 2021

OS CEM ANOS DA ESCOLA PORTUGUESA

 

A Escola Portuguesa (Rua Sete de Setembro, 79  Santos) completa 100 anos.Santos, 16 de junho de 1953. (Não sei se a data está certa, mas aparece no verso da foto anotada pela solerte em questão antes das aulas de caligrafia.) Na fila do meio, sou a terceira a partir da direita ‒ tranças presas por dois laçarotes. À esquerda, a diretora Dona Mercedes Tavares e à direita minha primeira professora Dona Branca Luiz da Costa. Aprendemos a cantar os hinos nacionais do Brasil e de Portugal e as aulas incluíam rudimentos de OS LUSÍADAS, como a história de Inês de Castro que foi rainha depois de morta. Coisas que não se esquecem.  

À esquerda, Dona Mercedes, e à direita Dona Branca.

Jornal A TRIBUNA


sexta-feira, 23 de julho de 2021

LÚCIA BENEDETTI

 

É interessante observar como alguns escritores desaparecem completamente do cenário literário. Não se trata aqui de maus escritores. Caso da escritora Pearl S. Buck (1892-1973), ganhadora de um Prêmio Pulitzer de Ficção de 1932, recebeu o Nobel de Literatura de 1938. Havia algum tempo buscava em vão Três Soldados (1955), livro da escritora brasileira Lúcia Benedetti, que ela publicou (antes ou depois) em capítulos na revista O Cruzeiro, nos anos. Lúcia foi quem lançou as bases do teatro infantil no Brasil, com a sua peça O Casaco encantado, encenada pela primeira vez em 1948. Prêmios não lhe faltam no currículo.  

Vi um exemplar em uma exposição na ECA/USP ainda nos anos de 1990. Como Lúcia nasceu em Mococa (SP), cheguei até a incomodar um amigo conterrâneo dela, mas fiquei sabendo que – como eu – ele nasceu em Mococa e cresceu em outra cidade.  

Depois de muita procura, encontrei o romance em um sebo em Cerqueira César. Liguei, confirmei a existência da preciosidade, pedi que reservassem e fui lá buscar. Para minha surpresa era um gibi (Editora Brasil América) que acabei comprando. Enfim, tempos depois consegui o livro em um sebo especializado em obras raras.

Lúcia Benedetti (1914-1998) foi romancista, cronista e dramaturga, além de se dedicar à literatura infantil. A família radicou-se em Niterói, onde ela se formou em direito. Desde cedo começou a escrever e a colaborar com jornais, embora exercesse o magistério por opção.

No inicio dos anos 30, ela escrevia no jornal A Noite, do Rio de Janeiro, as experiências vividas em sala de aula em uma coluna intitulada Diário de uma professorinha. Lúcia conheceu no diário carioca o escritor, jornalista e dramaturgo Magalhães Júnior com quem se casou. Em 1942, Magalhães Júnior foi trabalhar no Escritório de Assuntos Interamericanos e o casal mudou para os Estados Unidos. Lúcia trabalhou como correspondente para jornais brasileiros e escreveu seu primeiro romance – Chico vira bicho e outras histórias – em colaboração com o marido. Mas sua estreia solo foi com o romance Entrada de Serviço (1942).

Havia algum tempo que não me lembrava do assunto, quando resolvi ler sobre a ópera infantil de Villa-Lobos antes de ir assistir A Menina das Nuvens, no Teatro Municipal de São Paulo. Minha vez de cair das nuvens. O libreto é de autoria de Lúcia Benedetti! Uma faceta para mim desconhecida da escritora. 

O espetáculo foi um encantamento para a apreciadora de uma boa ópera: bela música, um texto inteligente, elegante e bem humorado, figurinos e cenários criativos e, claro, vozes muito bonitas. Um dó que houvesse tão poucas crianças na plateia.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

SÊNECA DESCOBRE A VELHICE

 

Cena do filme "Minhas tardes com Margueritte" (2011). Gérard Depardieu e 
Gisèle Casadesus.

        O filosofo Sêneca (4 a.C.?-65 d.C.) em uma das cartas ao amigo Lucílio conta como se descobriu velho ao visitar a casa de campo. Lá observou o edifício em ruínas e o zelador disse-lhe que não negligenciara seus deveres. A propriedade era velha. “Esta vila foi construída por mim: qual será o meu futuro se tão podres estão as pedras do meu tempo?” Mais adiante o filosofo descarregou a raiva no jardim, quando viu os plátanos sem folhas, com os ramos secos e os troncos áridos. Mais uma vez o zelador explicou que não deixou de cuidá-los, mas aquelas eram árvores muito velhas. “Que fique entre nós: eu as plantara, eu vira suas primeiras folhas.” À porta encontrou um ancião decrépito e ficou chocado ao saber que ele era o filho do zelador e que fora o seu preferido. “Este homem está delirando! O meu preferido tornou-se criança novamente? Mas, sim, pode ser, pois vejo que os dentes estão caindo.” 

Ele não esconde o espanto: ”... onde quer que eu fosse, parecia-me evidente a minha velhice (...). Passada a surpresa reflete sobre a nova condição: “(...) abarquemos e amemos a velhice: é cheia de prazeres, se sabemos fazer uso dela. Agradabilíssimos são os frutos de fim de estação; a infância é mais bela quando está por terminar; o último gole de vinho é o mais agradável aos que gostam de beber, aquele que entorpece, que dá à embriaguez o impulso final.

De cada prazer, o melhor é o fim. É doce a idade avançada, nas não ainda sob a decrepitude, e também eu penso que o período extremo da vida tem os seus prazeres ou, ao menos, no lugar dos prazeres, não sentir mais necessidade deles. Como é doce ter se cansado e abandonado os desejos!”

Lúcio Anneo Sêneca nasceu em Córdoba (Espanha), foi educado em Roma, tornou-se advogado e mais tarde membro do Senado e magistrado encarregado das finanças. 

        “Da Velhice” em APRENDENDO A VIVER, Sêneca. Editora L&PM.


terça-feira, 20 de julho de 2021

SEM ASSUNTO

Hilda é um nome de origem alemã, diminutivo de Hildegard e Hildergarde cujo significado é “combatente, guerreira”. Ganhar esse nome em 1945, logo após a derrota alemã na II Guerra, dá muito no que pensar. Bom lembrar a artista plástica e ilustradora Hilde Weber (1913-1994), alemã que se estabeleceu no Brasil em 1933, e trabalhou em várias publicações importantes no eixo Rio - São Paulo.  

        Sem dúvida a poeta paulista Hilda (de Almeida Prado) Hilst (1930-2004) é um dos maiores nomes da literatura brasileira e recebeu os maiores prêmios literários nacionais.

        Em se tratando de hildas, popular mesmo é a mineira Hilda Maia Valentim (1930-2014), que na juventude foi prostituta e por seu temperamento esquentado ganhou o apelido de “Hilda Furacão”. Esse é o título do livro de Roberto Drummond (1933-2002) que se inspirou na dama mineira. Hilda Maia Valentim casou-se no final dos anos 1940 com o jogador de futebol Paulo Valentim (1932-1984), que na época atuava no Atlético Mineiro.

        Hilda Krüger (1912-1991) foi uma atriz alemã que teve mais sucesso como espiã nazista, atuando tanto nos Estados Unidos como no México. A carreira na Alemanha foi patrocinada por Joseph Goebbels, o todo poderoso ministro nazista da cultura. Viajou para os Estados Unidos com a missão de espionar para o serviço de inteligência alemão, mas não conseguiu espaço em Hollywood e foi para o México de onde partiu após a entrada dos Estados Unidos na II Guerra. Ganhou uma biografia escrita por Juan Alberto Cedillo. 

        Em compensação registra-se a existência de santa Hilda. Trata-se de Hilda de Whitby (c. 614-680), que foi abadessa fundadora da Abadia de Whitby e depois reconhecida como santa. Ela era filha de Herérico, sobrinho do rei Eduíno da Nortúmbria. Há várias igrejas antigas dedicadas à Santa Hilda na costa nordeste e South Shields da Inglaterra.

        A Hilda do momento é estrela de uma animação anglo-canadense, distribuída pela Netflix. A série, que já está na terceira temporada, narra as aventuras da menina Hilda, que tem cabelos azuis e um amigo chamado Twig, que é uma raposa.  





Acima: Hilda Furacão (esquerda) e Hilda Krüger (direita). Embaixo: Hilda Hilst.

domingo, 18 de julho de 2021

sábado, 17 de julho de 2021

UM GAROTO, UM ET E UMA BICICLETA.



A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas

Age como um deus doente, mas como um deus.

Porque embora afirme que existe o que não existe

Sabe como é que as coisas existem, que é existindo,

Sabe que existir existe e não se explica,

Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,

Sabe que ser é estar em um ponto

Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

  

 “Poemas Inconjuntos”. POEMAS COMPLETOS DE ALBERTO CAEIRO. Fernando Pessoa. 1-10-1917

 E.T. ‒ o Extraterrestre ‒ de Steven Spielbert (1946), versão moderna de uma história que tem mais de dois mil anos de sucesso. A cena da bicicleta com a Lua ao fundo é uma das mais lembradas e copiadas do filme de 1982. 


quarta-feira, 14 de julho de 2021

AS BICICLETAS DE BELLEVILLE

A história de uma avó que ajuda o neto a se preparar para o “Tour de France”. Muitas aventuras e desventuras junto com Bruno, o cachorro. Música de Benoît Charest. A direção da animação, que foge dos padrões comuns com toques surrealistas, é de Sylvain Chomet. 


terça-feira, 13 de julho de 2021

BUTCH CASSIDY E UMA CENA MEMORÁVEL

Um momento de felicidade e de liberdade é o que transmite a cena com Katharine Ross e Paul Newman a bordo de uma bicicleta em “Butch Cassidy” (1968). O filme, dirigido por George Roy Hill, tem ainda no elenco Robert Redford, no papel de Sundance Kid. A produção recebeu quatro estatuetas na festa do Oscar em 1970: melhor roteiro original, melhor fotografia, melhor trilha sonora e melhor canção original. Só um comentário: um belo filme, mas glamuriza a história de dois criminosos americanos.






segunda-feira, 12 de julho de 2021

EM TEMPO DE BICICLETAS

 

A pobreza da programação da TV por assinatura me levou a procurar os canais esportivos, em que descobri o golfe, o rúgbi e o futebol americano, mas foram as paisagens que me atraíram para as competições de ciclismo. Nem sei andar de bicicleta e as provas são bem monótonas, porém, as estradas e cidades que a rapaziada atravessa são cercadas por encantadores rios, lagos, montanhas e vilarejos, sem contar maravilhosos marcos históricos e obras de arte (pontes e viadutos).  Sem contar a vista aérea dos campos cultivados com capricho. Sem poder viajar em tempos de pandemia, vale a pena descansar os olhos e a imaginação pelo interior da Europa.

      Foi assim que há uns três ou quatro anos me tornei fã do Tour de France cuja primeira edição foi em 1903 e este ano meu roteiro incluiu o Giro d’Italia e o Tour de Suisse.  A  competição termina no próximo domingo (18) em Paris, nos Champs-Élysées. Quem vai ganhar? Não tenho ideia nem interesse em saber. É verdade que, graças aos narradores da ESPN, já aprendi uma porção de coisas sobre bicicletas e o preparo físico para essas jornadas que nunca fiz e nunca farei, especialmente, nesta fase da vida.

        Para os que têm interesse na bicicleta há muitos filmes sobre o assunto. “O Escocês Voador” (2006), de Douglas Mackinnon, com Jonny Lee Miller, por exemplo, é baseado na história verídica de Graeme Obree, que era bipolar, não tinha recursos e teve que construir sua própria bicicleta para poder competir.

De uma coisa tenho certeza: ciclismo deve ser a melhor forma de se perder peso. Não acredita? Olhe só o pelotão se deslocando pelas estradas: verdadeiros silfos.


domingo, 11 de julho de 2021

DOMINGO PEDE CACHIMBO

"A traição das imagens" (1928-1929), óleo sobre tela do surrealista René Magritte (1898-1967). Acervo: Museu de Arte do Condado de Los Angeles. (Tradução: "Isto não é um cachimbo".)

quarta-feira, 7 de julho de 2021

VAGABUNDO

Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso,
Nas noites de verão namoro estrelas,
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!
 
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas...
E quem vive de amor não tem pobreza.

Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Nas cavernas do peito, sufocante,
Quando, à noite, na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.

Namoro e sou feliz nos meus amores,
Sou garboso e rapaz... Uma criada
Abrasada de amor por um soneto,
Já um beijo me deu subindo a escada...

Oito dias lá vão que ando cismando
Na donzela que ali defronte mora...
Ela ao ver-me sorri tão docemente!
Desconfio que a moça me namora...

Tenho por meu palácio as longas ruas,
Passeio a gosto e durmo sem temores...
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.

O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta
E a preguiça a mulher por quem suspiro.

Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua...
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.

Sinto-me um coração de Lazzaroni*,
Sou filho do calor, odeio o frio,
Não creio no diabo nem nos santos...
Rezo a Nossa Senhora e sou vadio!

Ora, se por aí alguma bela
Bem dourada e amante da preguiça,
Quiser a nívea mão unir à minha
Há de achar-me na Sé, domingo, à missa.
 
*Os pobres de Nápoles. 


A história de um vagabundo contada em quadras e com bom humor pelo escritor romântico paulista Manoel Antônio Álvares de Azevedo (1831 -1852).

terça-feira, 6 de julho de 2021

O APARECIMENTO DO PAPEL

 

Branco, ele serve para criar ‒ escrever, desenhar, pintar ou que você mais inventar. Se não gostar do resultado, basta apagar ou rasgar; colorido serve para embrulhar pacotes de presentes, embandeirar locais de festa; mais consistente torna-se embalagens. Trata-se do papel que pode ser ele mesmo transformado em obra de arte ‒ origami ou papier mâché. Sem contar que nos dá mais conforto da forma mais prosaica possível ‒ o papel higiênico.

Quando surgiu na Itália no século XII, graças aos árabes que o trouxeram da China, o papel era feito de trapos, não tinha qualidade nem durabilidade e por isso usado apenas para anotações sem importância. Chegou a ser proibido pelo imperador Frederico II (1194-1250) do Sacro Império Romano-Germânico em 1231 na redação de atos públicos. Raro e, portanto, caro, logo ganhou popularidade, impulsionou o desenvolvimento de novas tecnologias para o seu aperfeiçoamento e com isso novas atividades econômicas surgiram no velho continente. Atualmente, quando o papel sobeja (anualmente, são produzidas e consumidas 400 milhões de toneladas métricas de papel*), esquecemos que ele tornou possível a impressão de livros, pois a invenção de Gutenberg não funcionaria com pergaminho usado para a elaboração dos livros até o século XV.  

Na Antiguidade, poucos aprendiam a ler e escrever. O conhecimento ‒ registros religiosos, históricos, tratados de filosofia e literatura em grego e latim ‒ era guardado em livros que tinham como plataforma o papiro e o pergaminho. Com o advento do cristianismo e a queda do Império Romano em 476 os mosteiros, com a participação de outros estabelecimentos eclesiásticos, conservaram o monopólio quase integral da cultura livresca e da produção de livros ao longo de sete séculos. A primeira mudança nesse cenário aconteceu no século XII com as universidades e a expansão da instrução entre os leigos com repercussão na produção de livros que até então eram escritos ou copiados, compostos, difundidos e tinham, naturalmente, um custo elevado.

As universidades criaram bibliotecas para que os professores pudessem dispor de obras de referência para o preparo de suas aulas; entretanto, logo organizaram oficinas para que artesãos copiassem a baixo custo e em menor prazo as obras necessárias. O ensino era oral, mas os estudantes também necessitavam de um mínimo de obras básicas. Assim, teve início nos centros universitários uma corporação de profissionais do livro ‒ clérigos e frequentemente leigos que, entretanto, não podiam trabalhar em seu próprio benefício. E gozavam de certos privilégios, como a isenção de alguns impostos.


O surgimento do papel na Itália originou várias atividades econômicas. Os empreendedores perceberam a importância dele e assim logo apareceram os trapeiros ‒ pessoas que saiam comprando trapos velhos e cordames, vendidos aos papeleiros; adaptaram-se moinhos de trigo para esmagar e triturar os trapos; aprimoram o processo de colagem, substituindo as colas vegetais por gelatinas e colas animais o que deu melhor acabamento ao papel. Surgiram então os trabalhadores especializados.

Os centros produtores eram escolhidos estrategicamente, pois a produção do papel exigia muita água e limpa. A proximidade de portos era importante para a exportação. No princípio, a Itália dominou o mercado, mas à medida que crescia o consumo do papel outros países entraram na competição. No século XIV, o papel já ganhara confiabilidade e a era do pergaminho chegava ao fim. 

E em 1439, o ourives Johann Gensfleish, Gutenberg da Mogúncia, formava uma sociedade com Hans Riffe, André Dritzehn e André Heilmann, para o desenvolvimento de uma “arte nova” pela qual se utiliza uma prensa. A nova arte permitiu a composição de páginas por meio de caracteres móveis independentes. E união dessa nova arte com a arte de fazer papel resultou no livro como o conhecemos até hoje, claro com a evolução que ocorrida durante Revolução Industrial, no século XIX.

Fonte: O Aparecimento do Livro, de Lucien Febvre  Henry-Jean Martin, Editora Unesp/Hucitec, 1992.

 Ilustração: A fabricação do papel de Hartmann Schopffer: De omnibus illiberalibus artibus sive mechanices artibus, Frankfurt, 1574. 

 *A tonelada métrica é o terceiro múltiplo do quilograma e o sexto do grama.

sexta-feira, 2 de julho de 2021

ODE AO DOUS DE JULHO

Antônio Frederico de CASTRO ALVES (1847-1871)


Era no Dous de Julho

A pugna imensa

Travava-se nos cerros da Bahia…

O anjo da morte pálido cosia

Uma vasta mortalha em Pirajá.

“Neste lençol tão largo, tão extenso,

“Como um pedaço roto do infinito …

O mundo perguntava erguendo um grito:

“Qual dos gigantes morto rolará?! …

 

Debruçados do céu. . . a noite e os astros

Seguiam da peleja o incerto fado…

Era tocha — o fuzil avermelhado!

Era o Circo de Roma — o vasto chão!

Por palmas — o troar da artilharia!

Por feras — os canhões negros rugiam!

Por atletas — dous povos se batiam!

Enorme anfiteatro — era a amplidão!

 

Não! Não eram dous povos os que abalavam

Naquele instante o solo ensangüentado…

Era o porvir — em frente do passado,

A liberdade — em frente à escravidão.

Era a luta das águias — e do abutre,

A revolta do pulso — contra os ferros,

O pugilato da razão — com os erros,

O duelo da treva — e do clarão! …

 

No entanto a luta recrescia indômita

As bandeiras – como águias eriçadas —

“Se abismavam com as asas desdobradas

Na selva escura da fumaça atroz…

Tonto de espanto, cego de metralha

O arcanjo do triunfo vacilava…

E a glória desgrenhada acalentava

O cadáver sangrento dos heróis!

 

Mas quando a branca estrela matutina

Surgiu do espaço e as brisas forasteiras

No verde leque das gentis palmeiras

Foram cantar os hinos do arrebol,

Lá do campo deserto da batalha

Uma voz se elevou clara e divina.

Eras tu — liberdade peregrina!

Esposa do porvir — noiva do Sol!…

 

Eras tu que, com os dedos ensopados

No sangue dos avós mortos na guerra,

Livre sagravas a Colúmbia Terra,

Sagravas livre a nova geração!

Tu que erguias, subida na pirâmide

Formada pelos mortos do Cabrito,

Um pedaço de gládio — no infinito…

Um trapo de bandeira — n’amplidão!...

                                                  São Paulo, junho de 1868.

Castro Alves é o patrono da cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras por escolha do fundador Valentim Magalhães.


SOLTANDO OS BICHOS


 

A família de Will e Kate vai aumentar e eles já fizeram os preparativos para a ocasião.  Fábio e Cloé foram convocados para treinamento de evacuação em caso de tufões. Cloé mostrou-se muito mais participativa: assim que soou o sino ela se pôs a caminho da saída, mas Fábio não apareceu. Estava cochilando e assim ficou. Triste é a condição de Sílvio, que já é idoso, tem artrite e acabou de ser diagnosticado um câncer. Por tudo isso aposentou-se e entrou num programa especial para aproveitar melhor seus últimos meses. Will e Kate são muito feios. Trata-se de um casal de marabus  tipo de cegonha africana carnívora. A ave chega a ter 1,10 m de altura, envergadura de asas de 3,5 m e pesa quase 10 kg.

 Já Fábio e Cloé são um casal de preguiças. Ela é muito graciosa, mas Fábio dormia pendurado no galho da árvore, onde provavelmente vivem, enquanto o cuidador tocava o sino em vão. Por chegar “rapidamente” à saída, Cloé ganhou suas guloseimas preferidas. Sílvio, o tamanduá, aparentemente está bem: já medicado, ganha carinho, formigas à vontade e aproveita o sol de Tampa (Florida).  

Todos vivem no Zoológico de Tampa, reconhecido pelo Estado da Flórida como o centro de conservação da fauna e flora da Flórida. A instituição, fundada em 1953, tem 23 hectares. (Fonte: Segredos do Zoológico, Canal Animal Planet. Como o programa já é antigo, os filhotes do casal real já devem estar crescidos, Cloé e Fabio devem estar bem treinados para se abrigar em caso de tufão. Quem sabe Sílvio ainda está bem... )